Mas voltemos a falar daqueles caminhos que foram abertos no mato para que os colonos pudessem chegar até as terras que lhes foram destinadas pelo governo ou que eles adquiriram.
Estes caminhos eram chamados pelos luso-brasileiros de picada ou pique. O significado desta palavra, conforme os dicionários, é: “caminho estreito aberto a facão através do mato”. Várias localidades se desenvolveram a partir de picadas deste tipo. Por isto, na nossa região, a palavra ganhou um outro significado diferente daquele dos dicionários. Chamou-se de picada, por aqui, também as localidades surgidas junto a estes caminhos abertos na mata. Esta é a razão de existirem muitas localidades antigas cujo nome inclui a palavra picada. São José do Hortêncio antigamente se chamava Picada do Hortêncio. E ainda existem algumas localidades que mantêm este nome, como Picada Café ou Picada Cará.
No município de Pareci Novo existe a localidade chamada Despique. No idioma português, esta palavra era usada antigamente com o mesmo significado de vingança. Certa vez perguntamos a um antigo morador do lugar qual era o motivo de haver sido dado este nome ao lugar. Esperávamos que ele nos narrasse alguma história de vingança ali ocorrida no passado. Mas o ancião nos disse que ali três piques (caminhos abertos na mata) se encontravam, formando uma encruzilhada. Por isto, antigamente os colonos chamavam o lugar de Três Piques. Com o tempo, no entanto, o nome acabou mudando para Despique. Foi comum ocorrer este tipo de mudança entre o nome que o povo deu a um lugar e o que foi registrado nos livros e documentos. Assim, também, Ferro Meco acabou se transformando e Forromeco (nome do arroio junto ao qual residiu Francisco José Veloso, o Ferro Meco).
Os colonos alemães ficaram agrupados nas regiões coloniais e preservaram o uso do idioma alemão e, nesta língua, encontraram palavras para designar este tipo de caminho aberto pela mata. Chamavam-no de schneis, palavra relacionada com a alemã schneide, que significa corte. Queriam eles dizer, com o uso desta palavra, que o caminho era um corte feito na mata.
Assim, quando foi iniciada a colonização do atual município de Bom Princípio, deu-se ao local, inicialmente, o nome de Winterschneis. Ou seja: Picada do Winter. Isto porque quem comprou as terras e a loteou, revendendo os lotes para dezenas de colonos foi o comerciante Guilherme Winter.
Os colonos alemães também se esforçavam para assimilar a língua do país, usando-a (com certa dificuldade) para a comunicação com os lusos. Assim, eles também se referiam às picadas como pikade.
Mas voltemos a tratar dos caminhos abertos na mata. Para os colonos eles eram as únicas vias de transporte. E elas eram horríveis. Se hoje ainda nos queixamos das estradas do interior, quando elas são frequentemente reparadas pelas patrolas das prefeituras, imagine-se como eram estes caminhos naquela época.
Relatos que se encontram em escritos antigos são cheios de queixas. Não dava para andar por estas picadas com carreta. Só se podia passar por elas a pé ou a cavalo. Para o transporte, se usavam os burros (também chamados de cargueiros).
Estas picadas partiam da proximidade de um rio ou arroio, onde existia um porto precário, e dirigiam-se para o interior, o sertão. E, na medida que se afastavam do ponto de origem se bifurcavam em diversos caminhos. Mas estes caminhos, quanto mais se distanciavam do seu ponto original, mais estreitos iam se tornando e mais difíceis de trilhar. Quem andava por eles encontrava dificuldades cada vez maiores, com terrenos pantanosos, arenosos, íngremes... Até que a picada desaparecia, terminava, virando mato fechado. Era o fim da picada.
E é, provavelmente, daí que se originou esta outra expressão popular ainda bastante usada atualmente. Quando se quer dizer que algo é muito ruim, sem condições, fala-se que é “o fim da picada”.
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