"Na primeira metade do século XX, grassavam no interior do Rio Grande do Sul, principalmene no meio rural, várias doenças provocadas pela falta de higiene ambiental. Não havia água tratada, esgotos cloacais e pluviais em algumas residências mais para o interior. Não possuíam banheiros com vaso sanitários e chuveiro. Tudo era acumulado em torno da casa.
O agricultor ia para a roça de manhã cedo e retornava à tardinha. Caminhava,às vezes, alguns quilômetros até chegar à plantação. Por essa razão, construíam seus galpões, estrebarias, pocilgas e aviários próximos a sua morada. Em alguns casos, como não haviam banheiros, usavam o "cabungo', uma casinha de aproximadamente um metro quadrado, construída no pátio, em cima de um buraco, para fazer ali as suas necessidades fisiológicas. Com as chuvas intermitentes no inverno, tudo ficava alagado ao redor de algumas residências construídas em terreno plano, com detritos provenientes das construções próximas.
Muitas crianças, brincando ao redor das casas e não usando calçados, facilmente contraiam algumas doenças, como a verminose, que causava ainda a anemia, ou o tifo, tuberculose etc. As parturientes e seus bebês, neste ambiente, atendidos por parteiras sem qualificação profissional, muitas vezes contraíam algum vírus ou bactéria, provocando algumas vezes sua morte.
No ano de 1921 chegaram para o "Hinterland" gaúcho vários enfermeiros práticos, através da Fundação Rockefeller, dos Estados Unidos da América, para atender às necessidades de saúde da população desassistida. do interior. Dentre os enfermeiros práticos enviados para o Rio Grande do Sul, aparece a figura do grande humanista Lucas Evangelista Rodrigues, natural de Laguna - SC. Era filho de José Reodrigues e de Maria Rodrigues. Estabeleceu-se no interior de Montenegro, mais precisamente em Pareci Novo.
Aqui chegando, logo se encanta por uma linda jovem de nome Clara Guilhermina, filha de Daniel Pedro Müller e de Guilhermina Juchem. Casaram no religioso no dia 2 de fevereiro de 1922 e testemunharam João Francisco Schumacher e Reinaldo Juchem. No dia 7 do mesmo mês casaram no civil, tendo como juiz de Paz, o Sr. João Berwanger do então distrito de Harmonia. Após as núpcias, fixaram residência na vila de Pareci Novo.
No dia 19 de setembro de 1938, o senhor Dr. Miguel Tostes, Secretário de Estado dos Negócios do Interior, respondendo pelo expediente da Interventoria Federal do Rio Grande do Sul, nomeia de conformidade com o "Acto" nº 1574, suplente de Juiz Distrital do 11º Distrito (Pareci Novo) do termo de Montenegro.
Na data de 4 de novembro de 1946, o Dr. Bruno Cassel, médico chefe do posto de higiente nº 69, autorizou o Sr. Lucas E. Rodrigues a exercer a profissão de parteiro-prático, no município de São Sebastião do Caí.
Lucas Evangelista seguiu os passos de São Lucas Evangelista, médico famoso da antiguidade. Viajava montado em seu cavalo branco pelas localidades da margem direita do rio Caí: Pareci Novo, Matiel, Despique, Bananal, Coqueiral e da margem esquerda do rio: Pareci Velho, Virador, Paquete e Capela de Sant'Ana, para ali ajudar os agricultores necessitados de atendimento médico.
Fez centenas de partos com mais higiene e conhecimentos, adquiridos nos cursos práticos que realizou através da Fundação Rockefeller. Fazia exames de sangue, urina etc, em seu pequeno laboratório. Receitava vermífugos, xaropes para a tosse, antianêmicos, remédios para algumas doenças não graves.
O "Dr Lucas", como era conhecido pelos colonos do Vale do Caí, não se furtava em atender prontamente as famílias onde era chamado. Lá ia ele, montado em sua cavalgadura branca, com suas malas de couro sobre montaria, onde havia um pequeno laboratório para exames e medicamentos para a tosse, gripe, vermes e anemia.
Era um filântropo, um abnegado. Cobrava um valor simbólico pelos seus serviços, razão pela qual os familiares do paciente, algumas vezes, o obsequiavam com um pernil de porco, ou galinha, ou frutas, verduras e legumes. Foi uma figura extraordinária, dotado de um senso humano notável. Provavelmente, foi o primeiro "médico de família" do solo gaúcho, pois grande era sua preocupação com a saúde do trabalhador rural e de sua prole.
Era um "Bom Vivant". Sabia viver a vida com alegria, fraternidade e amor. Gostava de frequentar os bailes da região com sua família e amigos, os quais eram muitos. Nos "kerbes" era o primeiro par a iniciar o baile e aí se divertia até altas horas. Tinha como lazer a arte fotográfica. Possuía uma máquina rudimentar montada num tripé e, com ela, registrava os acontecimentos sociais da época.
Por duas vezes ganhou prêmios da Loteria do Estado, com os quais adquiriu um automóvel, um dos primeiros veículos do interior do então extenso município de Montenegro.
Deixou uma prole de oito filhos, sendo seis mulheres e dois homens. Veio a falecer no dia 21 de agosto de 1960 e seus restos mortais descansam ao lado de sua amada esposa "Mônica",
no cemitério do Pareci Novo."
Texto de José Atalíbio Fell
Ler esse texto sobre o meu bisavô foi emocionante. Li para minha vó, que se emocionou ao lembrar de todas estas coisas. Minha mãe veio a nascer pelas mãos de meu biso e conserva com ela o humanismo e a preocupação pelos outros que tanto marcavam o homem que Lucas era. Meu avô Evy, filho do Lucas, veio a falecer em 2007, restando apenas 2 filhas dos 8 filhos do biso. Herdei as poucas fotos que sobraram e deixo a disposição para pesquisas futuras. Agradeço por não deixar estas memórias se apagarem.
ResponderExcluirPuxa! Que alegria, que orgulho senti em re-conhecer nestas linhas um pouco da história de vida de meu bisavô. Agradeço Renato Klein a oportunidade q dá a nós familiares e à todos, especialmente aos Paricienses de rememorarem o passado honroso de um homem do bem.
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