segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

1282 - Hospital São Pedro Canísio: um patrimônio em risco

Quando o hospital foi inaugurado, em 1930, a população principiense festejou
a sua grande realização com justificado orgulho




A matéria a seguir foi composta a partir de informações e opiniões colhidas junto a figuras importantes da cultura e da sociedade principiense. Formulam seus conceitos e opiniões, sem a pretensão de polemizar ou se indispor contra aqueles que pensam em contrário e projetam alterações no sistema de saúde do Municípío. Suas manifestações  merecem, sem dúvida, a avaliação daqueles que prezam a cultura e a história da região.
 "Nossos antepassados desbravaram a mata, enfrentaram o perigo em confrontos com índios e animais  selvagens. Venceram todas as dificuldades e, apesar de todas as dificuldades, foram capazes de realizações notáveis. Uma das mais veementes provas da capacidade desses pioneiros sobrevive no centro de Bom Princípio. Um prédio que hoje se encontra um tanto escondido e tende a ser esquecido e corre risco até de ruína ou demolição.
Construído por volta de 1929, é resultado do trabalho hercúleo da comunidade, em que os nossos antepassados, mostrando uma união ímpar, erigiram aquele estabelecimento com suor e sangue. Esforço que  resultou sendo, talvez, o mais belo prédio no estilo neogótico erigido pelos descendentes alemães e, inclusive, com a participação de imigrantes. 
É uma obra  de arquitetura rara, com suas dependências bem arejadas, inclusive uma capela no mesmo estilo. Foi edificiada em cima de uma  vasta área de terras, sobre uma espécie de altiplano, com frente voltada para o sol nascente, estrututa fortificada, mostrando até hoje a segurança diante dos efeitos das intempéries.
Este hospital se manteve ininterruptamente até aqui, sendo servido sucessivamente por renomados médicos de família, entre os quais o primeiro foi doutor Júlio Hegedus, que era  alemão. Depois serviram ali outros grandes médicos, como Bruno Arnt, Jacó Jaeger e. Egon Stoffels, entre  outros. Atualmente renomados profissionaios da medicina atuam nas suas dependências.
Inicialmente atendido por freiras, o nosocômio não soçobrou diante do tempo. Evidentemente que surgiram necessidades  e melhoramentos, providências normais para manter e modernizar o seu aparelhamento. Uma das bandeiras da emancipação (ocorrida em 1982) foi no sentido da administração pública  conceder toda a atenção e recursos ao hospital. Mas os fatos transcorreram no sentido contrário, levando a uma gradual desvalorização do hospital e do seu magnífico prédio. Ao seu lado foi construída a sede da Prefeitura, um centro de tradições (!), um centro de eventos, um shopping. Sem falar que, nas proximidades, se criou um centro comercial (duas quadras), um prédio emendado no outro. Além disso, parte da área física do hospital  ficou reduzida pela especulação imobiliária. Mesmo assim, o terreno onde está localizado  ainda permite o aumento considerável suficiente para a  construção de novos prédios e instalações, e o funcionamento tranquilo em favor da saúde dos pacientes. No mais, falta apenas acrescer alguns banheiros e a troca do assoalho, tudo muito fácil e acessível pois esse tipo de material é fábricado no próprio Município e poderia ser obtido até através de doações.
 Mas, ao invés da ampliação e modernização do hospital, o que se vê agora são medidas que poderão resultar na sua ruína e abandono. O Município projetou construir uma UPA -  Unidade de Pronto Atendimento,  em outro local, dizendo que ela se destinaria  ao atendimento da Região. O local escolhido foi na encosta de um morro desmatado e repleto de casas, sendo que a terraplanagem logrou situar ao lado de um barranco quase da altura do próprio prédio (vide foto anexa). Soma-se a isso, o imóvel margeia um dos principais córregos afluentes do Arroio Forromeco, cujas águas, assim como as do Rio Caí, são de alto grau de poluição. Enfim, numa simples constatação visual, pode-se perceber que está em zona de alto risco ambiental. A UPA seria destinada ao atendimento emergencial de municípios da redondeza. Ela já foi concluída e deveria estar operando. Com suas portas abertas, não está decolando porque praticamente todos os municípios da Região têm seus hospitais, com planos  de deslocamentos, pelo SAMU, para hospitais maiores e especializados como os de Caxias do Sul, Novo Hamburgo e Montenegro. 
Nessa obra já foram gastos milhões de reais. Só em meados do ano passado, o então Secretário Estadual da Saúde, Osmar Terra, repassou R$ 800.00,00 para o investimento. E a previsão de receita teria um aporte de  R$ 200.000,00 distribuidos entre o Governo Federal R$ 100.000,00, Estadual e Municípal, cada um com R$ 50.000. Portanto, a meta da Municipalidade, agora, é a construção de um novo hospital colado na UPA e a desativação do atual. Nem a mínima parcela disso o São Pedro Canísio vinha recebendo do setor público. O que preocupa é que pretendem trocar uma organização particular, filantrópica com finalidade social,  por uma pública, bem mais onerosa que a primeira.  
Os argumentos para o abandono ao Hospital São Pedro Canísio, em funcionamento desde 1930, são os mais bizarros, inconsistentes e pueris, possiveis. Afirmam que o Hospital está velho e condenado pela Saúde. Que ele se encontra em lugar inadequado por estar próximo dos estabelecimentos retro referidos (!!!), estes construídos 60 anos após a inauguração do primeiro. O próprio Presidente do Hospital  afirma que a estrutura está deficiente  "... afinal o prédio já tem 80 anos".  Ora, não é bem assim. Como exemplos mais próximos, tem-se o Hospital do Caí e o Hospital Schlatter de Feliz, além de outros que são referências como o São Vicente, de Passo Fundo e o de Caxias do Sul. Igualmente prédios antigos, mesmo sem ter a mesma qualidade construtiva e arquitetônica do nosso São Pedro Canísio, eles foram restaurados, revitalizados, modernizados, continuam em mãos da comunidade.
 Mas, se não bastassem esses contrapontos, para os mentores da desativação do Hospital, restaria uma idéia: ao lado do hospital  existe um busto em homenagem ao Cardeal Vicente Scherer, ilustre conterrâneo já falecido. Ironicamente,  dele poderíamos recolher o exemplo e a inspiração do grande valor de se manter prédios tradicionais e sólidos, como ele tão bem cuidou da Santa Casa, em Porto Alegre, cuja alvenaria já existe faz mais de duzentos anos. Se até agora nada de substancial foi feito para imitar o religioso, ainda está em tempo, pois os milhares de conterrâneos que nasceram e morreram no São Pedro Canísio, não podem ter seus espíritos dispersados para lugar outro, senão aquele que deram vida com suas próprias mãos.
 Preocupam as decisões tomadas pela Prefeitura e pelo Conselho do Hospital. Em reunião realizada no dia 2 de novembro foi discutida a venda de 10 terrenos da área pertencente ao Hospital para que o valor seja destinado à construção do novo hospital, junto à UPA. José Egidio Schneider,  contrariou a opinião da maioria dos presentes dizendo que eles careceriam de legitimidade para decidir e que, por força de lei, os bens pertencentes à instituição deveriam servir a ela e jamais ser entregues ao poder público para uma aventura. Que, até agora o Hospital vinha sendo gerido em caráter comunitário, particular, sendo que entregá-lo  à administração pública acarretaria um enorme gasto com a contratação de funcionários e, sobretudo, retiraria o ambiente familiar que sempre foi uma virtude do São Pedro Canísio. Alertou que não adianta anunciarem que manteriam o nome Hospital São Pedro Canísio, pois a natureza jurídica passaria da propriedade privada para a pública e isso traria a intenção oculta de captar a clientela fiel ao hospital em vias de extinção. Foi justificado que a versão de se transformar o prédio em centro cultural era descabida, pois pelo tamanho, ao município caberiam duplos gastos de conservação e manutenção.  Que a venda dos terrenos já seria suficiente para aprimorar as instalações do atual Hospital. Mas, os argumentos de Egídio Schneider não foram suficientes para modificar as intenções da maioria presente e o leilão dos 10 terrenos foi marcada para o próximo dia 16 de janeiro de 2012. 
 Esse episódio chega a ser estarrecedor. Os sucessivos administradores de Bom Princípio se jactavam da identidade desta cidade com coirmã na Alemanha. Trocam gentilezas onerosas para os cofres públicos, a todo o momento. Mas, estão derrubando o último e o mais relevante patrimônio e legado que os descendentes daquele país aqui construiram. Isso não é novidade. Sucessivas demolições de casas antigas, no estilo alemão, ocorrem com total omissao das autoridades. Sem dúvidas, se um antepassado nosso pudesse retornar, certamente perderia sua identidade, pois pouco está sobrando que lembre a velha Alemanha. Querem iniciativas megalômanas. Outro prédio, de grande dimensão foi construído pela prefeitura  e disponibilizado a título gratuido para a Universidade de Caxias do Sul, com a finalidade de instalar um Centro Tecnológico de  produtos cerâmicos. Era expectativa que seu funcionamento acabaria com o sistema arcaico de retirar jazidas e formar crateras que destroçam a fertilidade do Vale do Rio Caí. Ma nada disso. Por enquanto, o prédio de custo milionario não deu arranque. Só está sendo ocupado por seguranças e faxineiras. Enquanto isso, Bom Princípio, com toda essa receita, ainda não conta com um metro de esgoto cloacal, cuja falta de tratamento dos dejetos fecais e resíduos químicos, vem conseguindo poluir todo o  solo da cidade, além de contribuir para que o rio Caí seja um dos dez mais poluídos do país. Como os mananciais de água (Arroio Forromeco e Rio Caí) não foram cuidados, a cidade se submete ao racionamento de água retirada de poços artesianos. 
 As autoridades competentes foram alertados para este quadro no sentido de uma avaliação. Expediente foi encaminhado para a Procuradoria Geral de Justiça, pelo comunitário André Luiz Alles (Tel. 51 36351906 e 51 96667373). O expediente foi enviado ao MP da Comarca de São Sebastião do Caí, mas esta conta somente com um promotor substituto lotado na Feliz. Está na pilha... e os fatos vem sendo consumados. O processo na Procuradoria Geral da Justiça é PR 0095805652 ou final 852 -  2011.00, de julho (5 e 14) do ano corrente. Tel. 32951100 r/1038 c/Rodrigues.
 As circunstâncias estão colocadas para que se consume uma perda irreparável para a comunidade principiense e para a cultura riograndense."
A reportagem do Fato Novo entendeu oportuno ouvir o advogado das emancipações gaúchas, Arno Carrard. Foi ele que presidiu a criação do Município de Bom Princípio, num momento em que ninguém acreditava nessa possibilidade, porque o distrito passava por uma franca estagnação econômica e social. Carrard lembrou que pelo mundo se espalharam diversas civilizações e elas deixaram grandes marcos até hoje existentes e admirados. O advogado fala com conhecimento, pois  já conheceu bem mais de 100 países. Recentemente esteve na Índia, Paquistão, Nepal e outros, A experiência permite a ele uma avaliação serena. Diz Carrard que aqui no Vale do Caí, imigrandes do norte e até do sul da Europa, fizeram o mesmo. Aqueles originários da Alemanha, mostraram visão de futuro. Hospitais, igrejas, cemitérios e escolas, eram vitais para o progresso e tinham sua destinação para todos os tempos. Nessas obras, sempre no sistema de mutirão, colocavam o amor, a solidariedade e a arte, destinados a serem eternos. Pensavam nas geraçõeas do futuro. Tinham como premissas, nascer e cuidar da saúde no hospital, adquirir cultura nas escolas, rezar nos templos e finalmente chegarem a um descanso perpétuo no cemitério. Isso eles tinha como uma verdade dogmática. Infelizmente, em Bom Princípio, exatamente três desses monumentos da glória dos colonizadores, estão passando por um processo de degradação. Mas a questão do Hospital São Pedro Canísio é muito grave. Trata-se de uma primorosa instituição de saúde que a descendência alemã produziu. Riquíssimo em sua arquitetura, sólido nas sua estrutura física, foi erguido com a abnegação dos nossos ancestrais. Uma verdadeira fortaleza preparada, repito, para enfrtentar quaisquer carástrofes naturais que estão em andamento. Construções com paredes de tijolos furados, não resistem a mínima  ação do tempo. Ao longo da existência do Município, o Poder Público tem mostrado completo descaso com a instituição comunitária que sempre funcionou. Nos cofres públicos,o dinheiro nunca faltou, pois a população vem fazendo a sua parte, contribuindo com pesados impostos para manter a máquina pública. Para o Hospital, entretanto, sobram apenas minguados valores e isso prejudica as pessoas que dele se socorrem.
 Carrard chega a ser enfático, afirmando que "não se pode virar as costas para a história" . Que a ninguém cabe o poder de desmantelar esse rico poatrimônio, cujos legítimos donos  já vivem no mundo do silêncio, no "panteão dos heróis". Eles não estão aqui para decidir, mas certamente seus familiares, sucessores, não renegarão esse grande feito. Descabem reuniões, mesmo que capeadas de legalidade, para dar aparência de uma solução coletiva. O Hospital São Pedro Canisio e seu prédio, são intocáveis. Não se pode ter dúvida que como as coisas andam, ironicamente, cedo ou tarde, a igreja e o cemitério poderão ter a mesma sorte. Não faltarão vozes  pregando isso, pois ambos também seriam muito velhos. 
 "Fica meu  apelo para que seja sepultado esse projeto, com a convicção de que, longe de qualquer envolvimento político, estou mais uma vez me postando ao lado do interesse popular, sem emocionalismos ou deslumbramentos com obras ditas faraônicas". A estrutura hospitalar atual, está bem aparelhada. Gabinetes médicos, laboratórios, farmácias, estão no seu entorno. Todavia, alerto, com a melhor intenção, de que deve ser examinada a legalidade da venda dos 10 terrenos. De acordo com a Lei e os próprios Estatutos do Hospital São Pedro Canísio, trata-se de uma entidade filantrópica. Pensar em defazer dos seus bens, somente para repassar o dinheiro para a própria instituição, ou outra congenere que esteja inscrita no mínimo cinco anos  no Conselho Nacional de Serviço Social e na Secretaria de Trabalho e Ação Social do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Portanto, o produto da venda somente poderá  ser aplicado  na atual sede. Entretanto, o Edital de Venda publicado, carece da necessária explicação da finalidade e a população deve saber disso. Caso contrário, poderá, salvo melhor juízo, ser considerado como má gestão dos negócios, e exigirá a reação dos órgãos de defesa comunitária."
"Finalmente, confesso meu desconforto em ver acontecer  isso na minha terra natal. Faço movido pela minha consciência, mas não ficarei polemizando. Com essas palavras, considero minha missão cumprida e encerrada."

Texto de Arno Carrard e foto do seu acervo

Nenhum comentário:

Postar um comentário