A caminho para gravar em São Paulo, o trio vive grandes aventuras em Santa Catarina |
Esse LP foi gravado em 1964, depois de uma excursão patrocinada
pelo empresário argentino Rossi.
Saindo de Porto Alegre, os componentes do Trio Montecarlo passaram por diversas cidades de
Santa Catarina, com a coordenação do seu auxiliar Alonso.
"Partimos no mês de
junho, viajando numa Kombi alugada, fornecida pela companhia", conta Egon Schaeffer.
Junto
seguiu um conjunto que tocava bailes, dois morenos e dois brancos. O motorista
cujo nome era Rui não havia revelado que tirara a sua carteira de motorista há
uma semana. A viagem começou bem cedo, naquela manhã daquela quinta feira. Mas não foi longe.
Numa descida, em alta velocidade, o motorista novato se aproxima dos trilhos de trem e não reduz a velocidade. A Kombi praticamente tropeçou sobre a passagem e, com vários solavancos, ficou
atravessada na estrada.
Todos ficaram amedrontados e queriam voltar. Mas o motorista, que
virou passageiro, perguntou quem sabia dirigir bem e sobrou para Egon Schaeffer, a incumbência de ser o motorista do Trio Montecarlo.
Não era difícil para ele, pois
entre os vários carros que já tivera houve uma Kombi.
Todos passaram a confiar em Egon à medida que a viagem prosseguia.
O primeiro show foi na cidade de Palhoça, Santa Catarina. Foi num grande auditório, porém com um palco com teto baixo. Egon, com seu metro e 90 de altura, se
apresentou um pouco curvado. Porém, o sucesso compensou o sacrifício.
"Na mesma
noite, seguimos para Florianópolis" continua narrando Egon.
Alonso, atuando como empresário, em outro carro, sempre andava na frente providenciando o necessário para o próximo show.
No dia seguinte, o trio cantou na rádio daquela cidade e à noite se apresentou no
palco do cinema. O conjunto dos morenos e brancos ainda não havia se
apresentado.
O pagamento de cada apresentação era feito logo após o seu término, por
Alonso, que apelidou Egon de "Egoncito, el mago de la guitarra".
Por onde Egon
passava impressionava a todos com o seu violão requinto. Fazia um acompanhamento primoroso para o vocal
harmonioso do trio.
Próxima etapa, a cidade praieira de Tijucas, onde o show foi realizado num enorme restaurante e o público
se aglomerou, pedindo bis diversas vezes pelo alto
gabarito das interpretações do já famoso conjunto.
Observava-se que o motorista
da Kombi e o conjunto de bailes apenas estavam passeando e se tornaram grandes
amigos dos componentes do trio.
O motorista (Egon), algumas vezes, dava mostras de
cansaço, pois trabalhava muito e descansava pouco. Arno e Kurt e os
outros brincavam muito durante o percurso dizendo: "vamos fazer uma vaquinha
para remunerar o nosso motorista".
As estradas eram de chão batido e cheias de pedras. A grande sorte foi que não chovia. Havia uma estiagem que ajudou muito.
"Em Rio do Sul, encontrei muitos amigos que foram meus colegas quando estudei no Colégio
Sinodal, de São Leopoldo", relembra Egon.
Apareceram correndo no hotel, pois sentiam orgulho em estar ao lado de
alguém tão famoso. O clube tinha o nome de "Caça e Tiro". Quando chegamos, o
diretor do clube ficou nos olhando e disse: Estou verificando se vocês são
realmente o Trio Montecarlo, e estava nos comparando com a foto do LP que trazia
na mão.
Aparentemente, por lá, tudo era suspeito. À noite, o conjunto de bailes
entrou em ação, enquanto nos fundos do palco Alonso, juntamente com o trio, jogava
pife para passar o tempo.
No palco, sentiram-se em casa, pois um público de alemães
natos trocava palavras com o trio, pedindo as músicas. Após o show, que ultrapassou em uma hora o tempo previsto, o trio desceu do palco, se misturando com todos
e fazendo amizades.
Alguns falavam em alemão e outros em português, e nenhum
preconceito foi registrado naquela cidade de Santa Catarina.
Alonso perguntou se desejávamos
seguir na mesma noite para Presidente Getúlio e Egon, já deitado na cama do
hotel, respondeu: daqui só levanto amanha cedo.
- Mucho bien Eguito, usted decide! - concordou o empresário.
O cansaço vencera. Presidente Getúlio representou a primeira surpresa, pois
cultivavam na época ainda um grau de racismo que não era esperado.
Egon participou da reunião do Lions
Clube naquela noite no próprio local do show, e o presidente perguntou se aquele
grupo de bailes iria tocar.
Egon respondeu que sim. O presidente, então, manifestou uma preocupação dizendo que não se responsabilizava pela reação do
público.
A resposta de Egon foi incisiva:
- Lá no sul não existe isso, e muito
menos entre nós. No salão à noite o público bateu palmas e pés para que o
conjunto com os dois morenos saísse do salão. O baile seguiu com uma banda
local.
O Trio Montecarlo deu o seu show sendo aplaudidíssimo e, como sempre, foi
cercado de muito carinho e amizade. Durante a madrugada, já viajávamos rumo a
Timbó, com Alonso sempre seguindo na frente.
Pela manhã entramos na pequena e
alegre cidade. As casas com janelas abertas deixavam fluir o som do LP do Trio
Montecarlo FLIEGE MIT MIR IN DIE HEIMAT.
A recepção foi calorosa e
verificava-se que era a mais típica cidade colonial alemã de todas onde havíamos
estado.
Fomos hospedados num hotel extremamente antigo, Uma construção de
madeira. No quarto, tivemos a sensação de que estávamos de volta a um remoto passado
perdido no tempo.
Kurt chegou a dizer que o local era fantasmagórico. Aparentemente
éramos os únicos hóspedes. Passamos o dia descansando e, à noite, fomos para o
clube que estava apinhado de gente. Fomos recebidos com uma salva de palmas e, depois, foi servido um suculento churrasco.
Na hora do show, suspenderam o
baile, acabamos cantando no centro do salão e o público cantando junto.
Confraternizações, abraços e muitos sorrisos, uma receptividade inesquecível.
Na
manhã seguinte seguimos rumo a Taió, outra cidadezinha tipicamente alemã. Se os
problemas haviam desaparecido, lá ressurgiram quando chegamos à tardinha.
O motorista e dono da Kombi já havia retornado a Porto Alegre e só a
pegaria no final do raide.
Arno e Kurt ficaram no hotel e Alonso, junto com Egon, seguiram até o clube para descarregar os instrumentos.
Os quatro do conjunto de
baile chamavam-se Augusto e João os morenos, Ernesto e Pedro os brancos. Ficaram
muito amigos e nunca permitiam que Egon carregasse os instrumentos para o
interior do clube.
Anoitecia! O inusitado ocorreu quando, estacionando a Kombi,
chegou na portaria do hotel, o proprietário olhou para Egon de alto a baixo e perguntou
- O senhor o que deseja?
Egon respondeu: Estou à procura dos meus colegas do
trio, e gostaria de saber o número do quarto.
Egon, que trajava um surrado jeans com
camisa um tanto amarrotada, não impressionou bem o hoteleiro que foi taxativo.
- O
hotel está lotado e o trio já está hospedado.
- Mas eu sou do trio! - afirmou Egon.
O homem
persistiu na sua convicção
- O senhor é o motorista, pois o vi ao estacionar o
veículo.
Alonso apareceu de surpresa e perguntou - Pero que se pasa Egoncito?
Tudo explicado, o hoteleiro pediu mil desculpas e disse que iria dar um jeito.
Egon, naquela noite, dormiu no quarto da filha do dono do hotel. A cama toda
em cor de rosa e um leve perfume emanava em todo o quarto.
No dia seguinte, a
gozação foi grande por parte de Arno e Kurt que, dissimuladamente, perguntavam se
a filha estava junto.
A moça muito bonita e simpática se achegou para conhecer
Egon e esse, então, agradeceu e ao mesmo tempo lamentou ter tomado o lugar dela
naquela noite.
Ao que a jovem respondeu:
- Não foi nada, não foi nada!
Foi um prazer!
Durante o dia, duas diretorias de clubes fizeram uma reunião, pois
havia outra sociedade que também queria assistir ao show.
A solução foi usar um
grande pavilhão e o curioso foi que os membros de uma sociedade ficaria na ala esquerda e os da outra na direita. Reuniram todas as cadeiras de palha e bancos que haviam e
simetricamente lá foram colocados. Para o Trio, um estrado e um microfone. Shows,
autógrafos sobre os LPS, e até convites de famílias querendo pagar para o trio
ir cantar em suas residências. Alonso não permitiu e o trio, que mantinha uma
certa modéstia, não aceitou.
Na madrugada seguinte seguiram para Pomerode, a terra da
porcelana! O Trio se apresentou à noite e foi muito aplaudido, inclusive sendo
presenteado com algumas peças de porcelana.
Egon jamais imagiraria, então, que 21 anos depois iria brindar dois meninos artistas de
Pomerode com um LP do Trio Montecarlo. Aconteceu em 1985, nas dependências do
Clube do Comércio, em Montenegro.
Outra apresentação de estrondoso sucesso ocorreu no cinema
Busch, de Blumenau, totalmente lotado. Após seguiram para Gaspar. O grande alívio para Egon foi rodar em uma estrada asfaltada e a
viagem foi curta, apenas 14 km.
Lá perceberam que o preconceito entre alguns
ainda era muito forte em relação aos alemães e inquestionavelmente envolviam
questões políticas. O Trio se apresentou no Clube União e lá ocorreu, durante o
show, o que se chama de uma verdadeira desunião.
Enquanto Egon, Arno e Kurt
jantavam antes do show, o quarteto de bailes tocava vários temas no salão. Alonso
estava junto do Trio.
Uma professora se aproximou trazendo crianças da escola
municipal recomendando que falassem em alemão gramatical sem cometer erros. "Éramos considerados alemães autênticos e não um Trio gaúcho", comenta Egon.
A Alemanha tomava
forma no olhar e na admiração dos natos e descendentes naquela cidade. Após, chegou o presidente do clube pedindo encarecidamente que cantassem o mínimo de
melodias alemãs. Cantaram em espanhol, português e uma em italiano.
Nesse
momento o público começou a pedir Morgen, Heimatlos, etc. Estava oTrio a cantar
em alemão quando um rapaz ao lado do palco gritou
- Vamos parar de cantar em
alemão que aqui não é a Alemanha.
Egon largou o violão e desceu a escadinha,
pois havia uma peça onde o intruso estava. Ao encarar o jovem embriagado, Egon
acalmou-o e disse que o Trio apenas estava cumprindo um contrato.
O tumulto no
salão se formou e alguns gritavam
- Quem botar a mão nesse trio tem que botar em
mim primeiro. Foi o vice-prefeito da cidade que colocou ordem na situação. Depois, com os integrantes do trio sentados na mesa dele, pediu desculpas pelo ocorrido e que não divulgássemos o ocorrido em
outras cidades.
Alonso o argentino irritado, chegou e disse - Adelante, vamos
partir!
O novo rumo foi para Jaraguá do Sul. Nessa noite choveu um
pouco, mas nada que prejudicasse a viagem. Ao chegarem, defronte ao cinema havia
uma grande faixa estendida que dizia - Hoje aqui o famoso Trio Montecarlo, vindo
diretamente da Alemanha.
Foi política de propaganda para este povo ingênuo. À noite, dezenas de carroças estavam defronte ao cinema, o povo vinha da colônia
assistir e ouvir o Trio Montecarlo.
Houve muita euforia e aplausos naquela cidade, onde
Egon encontrou também amigos que estudaram com ele no Sinodal, de São Leopoldo.
Alonso dizia que os compromissos estavam por se encerrar e Egon respondeu:
- Não
para o Trio que seguirá para São Paulo e na segunda semana de julho gravará o LP
N.3.
Estada final - Criciúma, a terra do carvão.
Alonso chegou para o Trio e disse - A sociedade dos operários
quer que vocês se apresentem lá antes de cantarem, à meia noite, no clube que
firmou contrato. Dissemos para o coordenador que não haveria nenhum problema.
O
conjunto de bailes já havia seguido de ônibus para Porto Alegre e Alonso considerou um
erro trazê-los juntos para as apresentações.
Ao entrarem, o
clube estava lotado e um moreno trajando um terno azul aproximou-se com um largo
sorriso
- É um prazer conhecê-los - e o trio retribuiu dirigindo-se para o
palco.
Cantou em português, espanhol, inglês, e num pequeno intervalo depois de
muitos aplausos o presidente simpático levantou-se e disse
- Nós gostaríamos que
o renomado trio cantasse algumas páginas em alemão. Foi a lição final da
excursão! Foram cantadas naquela noite mais músicas germânicas do que em
qualquer outra cidade pela qual passamos. Foi um prazer imenso estar entre
aquele povo humilde e simpático. Depois, no outro clube um show normal, muito
sucesso e encerrava-se, na noite de 3 de julho de 1964, o desbravamento de Santa Catarina. Alonso se comoveu quando houve a
despedida. Meio século se passou e, por lá, nenhuma lembrança restou. Se algo ficou, virou lenda.
No dia 6 de julho daquele ano, o Trio Montecarlo já estava no estúdio da Chantecler, pronto para gravar o LP. Havia no
controle de som um novato, pois Alberto Calçada, havia viajado. Não era muito
experiente, deixando distorções em algumas músicas. Arno tinha pressa e acabamos
gravando em um dia, quando o normal seria uma semana, procurando ser o mais
perfeitos possível. Os recursos eram precários, para efeitos de eco havia um
túnel que acabava num poço. Ao refletir o som, provocava a sonância mais
apurada. Tornou-se este lançamento muito vendido e até bastante raro entre os
colecionadores.
Músicas do LP N3 - EIN LIED KLINGT DURCH DAS THAL
LADO 1
1 - ABSCHIED (Arr. Egon A. Schaeffer)
2 - DER MOND-LA LUNA (Versão Egon A. Schaeffer)
3 - EIN ARMER MULERO (Arr. Kurt J. Dutzig)
4 - HIMMELBLAUE SERENADE (Arr. Egon A. Schaeffer)
5 - MARILU (Versão Vicki)
6 - SEEMAN-DEINE HEIMAT IS DAS MEER (Arr. Kurt J.
Dutzig)
LADO 2
1 - DAS MUCHEL MAERCHEN (Arr. Arbon)
2 - DIE GLOCKEN (Arr. Arbon)
3 - EIN ABEND IN PARAGUAI (Comp. Egon A.
Schaeffer)
4 - UND EIN LIED KLINGT DURCH DAS THAL (Arr. Egon A.
Schaeffer)
5 - IT HAPPENED IN ADAMO (Versão Arbon)
6 - NACH DEM SERVUS GIBT'S EIN WIEDERSEHN (Arr. Egon A.
Schaeffer
Foto do acervo de Egon Arnoni Schaeffer
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