Sílvio Zanini, um dos mais notáveis cirurgiões brasileiros era filho de caienses |
O prédio onde a família Zanini residia e tinha a sua fábrica ainda existe, na esquina das ruas Tiradentes e General Osório (foto, junho de 2015) |
Morreu ontem, aos 77 anos, Silvio Antonio Zanini, em sua residência, em Porto Alegre.
Silvio herdou de sua mãe, Adele Allegretti, a tenacidade com a qual nunca se dobrou às adversidades da vida, que não lhe foram poucas. Nascido no Bom Fim, na Capital, estudou no Colégio Julinho até sua ida ao Internato Pedro II, no Rio de Janeiro, levado pela mão de seu irmão Tulio, por quem nutriu permanente afeto e admiração. Retornou a Porto Alegre para formar-se em Odontologia.
Fascinado pela cirurgia bucomaxilo, cursou a Faculdade de Medicina da UFRGS, onde, durante a graduação, praticava a reconstrução do crânio de cadáveres que descontruía às escondidas com um bastão de beisebol nos porões da Faculdade. Exerceu a profissão com paixão e desapego. Operou milhares de pacientes, pobres e ricos, indistintamente, em diversos hospitais de Porto Alegre, do Brasil e do mundo. Certa feita, vendeu o carro da família para comprar um serra óssea, indisponível no sistema público de saúde, mas imprescindível para as cirurgias. Questionado pelos filhos, na perplexidade da adolescência, defendeu-se ensinando que o importante na vida “era ser, não ter”.
– Sim, foi médico. E que médico, como provaram os salames, ovos caipiras e caixas de frutas recebidas dos clientes mais humildes. Mas não apenas médico. Muitos o recordarão como piloto de avião, corredor de rua e escritor de contos – lembra o filho, Carlos Zanini.
Quando o avanço da esclerose lateral o impediu de operar e clinicar, fechou o consultório da Rua Quintino Bocaiúva. Mas os pacientes não o deixaram descansar e procuravam aconselhamento com um dos primeiros moradores da Rua Teixeira Soares. Com mais de 60 anos, já preso à cadeira de rodas, a vida lhe apresentou um novo desafio: fundar o Serviço de Cirurgia Craniofacial do Hospital de Fissuras e Lesões Lábio Palatais da Universidade de São Paulo. Com dificuldades na fala, munido de pranchetas e grunhidos, liderou mais um vez pelo exemplo, tendo sido seguido por talentosos médicos como Fausto Viterbo e Alcir Giglio. E assim deu conta do recado, operando centenas de crianças com deformidades craniofaciais congênitas.
Escreveu livros e publicou dezenas de artigos, no Brasil e
Exterior. Foi médico-plantonista do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Craniomaxilofacial. Fez amigos que o seguiram incondicionalmente, como o russo Mark Tershakowec, o ítalo-argentino Flavio Sturla e o bento-gonçalvense Walter Migowsky.
Em um de seus últimos escritos, anotou: “À noite, na cama, viro e reviro o saco de ossos e músculos atrofiados e inúteis em que se transformou o meu corpo. Procuro acomodá-los para acalmar os latidos ferozes de todas as dores, uma por uma. Quando todas estão quietas, tateio no escuro de meus pensamentos uma memória boa para embalar o meu sono”.
– Os cães estão quietos. O sono chegou. É hora de Adele reencontrar o seu melhor rebento – disse Carlos.
Silvio deixa à mulher, Nilva, aos filhos, Carlos e Lisa, aos netos Laura, Bruna, Martina e Lorenzo, unidos à sua nora, Dóris, e seu genro, Leandro, um modelo de integridade, rijeza e superação.
– Seria imerecido lamentar sua morte, quando se impõe a celebração de sua vida – afirmou o filho.
O velório ocorrerá hoje, na Capela número seis do Cemitério da Santa Casa de Porto Alegre. A cerimônia de encomendação será realizada às 10h.
Zero Hora, 8 de junho de 2015, Obituário
Nenhum comentário:
Postar um comentário