terça-feira, 4 de setembro de 2018

5411 - O alambique de Harmonia

O primeiro porre
Foto de roda d´água muito parecida com a do alambique que existiu no centro de Harmonia
                                                                                                               Imagina uma tarde quente de verão. Imagina esta tarde com uma represa aconchegante de águas cristalinas esperando por alguém entrar dentro dela e encontrar em suas águas um banho confortante. Uma represa funda, onde só quem sabia nadar podia entrar e usufruir. E eu e meu irmão, mais um amigo nosso, filho do dono da represa tínhamos este privilégio. Nadar aprendemos desde cedo, já que o rio Caí, com todas as suas armadilhas fazia com que a gente se obrigasse a enfrentar todos os seus desafios, nadando.
Mas, foi uma tarde mágica naquelas águas. A convite de nosso amigo, tomamos banho durante um longo tempo na represa, que em sua saída tinha pedras íngremes e pontiagudas, algumas tomadas pelo limo, nada amigáveis para quem inventasse descer por este lado. A represa ficava no centro de Harmonia, e ela impulsionava uma roda d'água que movia uma serraria. A serraria dos Gewehr. E antes de ser serraria, era um alambique. E foi aí, no porão da serraria onde tinha este alambique, que tomei meu primeiro porre.
Depois do banho gostoso, de ficarmos sentados sobre a barra da represa para secarmos um pouco nossas roupas ao sol, nosso amigo convidou meu irmão e eu para descermos aquelas pedras íngremes, lisas e com limo, uns quinze metros de altura, e quando lá embaixo, experimentarmos uma bebida gostosa que tinha dentro dos barris no subsolo da serraria. Eram barris enormes, dois no total. Aceitamos. E quando chegamos lá, naquele ambiente abandonado, cheio de teias de aranha, cheirando a coisa azeda, ele sentou na frente de um destes enormes barris e disse:
- Este é um licor que meu pai fazia. Todos diziam que ele fazia isto muito bem, tanto que nós vamos experimentar hoje para ver se é verdade. Querem experimentar?
Curiosos como éramos, assentimos com a cabeça, aceitando a oferta.
Detalhe: isto foi nos anos sessenta e o pai dele falecera nos anos cinquenta. Então ele pegou um copo daqueles rajados, de servir vinho, uns cem mililitros de medida, abriu a torneira de madeira de um dos barris e encheu o copo. Na hora rescindiu no ar um aroma de licor meio adocicado, gostoso de sentir. Deu para meu irmão, que era o mais velho da turma para experimentar. Meu irmão tomou e aprovou o licor. Depois ele encheu um copo para ele, e também o tomou, para por fim, encher um copo e dar para mim. Eu tinha sete anos na época, ele tinha oito e meu irmão, nove. E o que tomamos era cachaça pura, envelhecida nos barris por mais de dez anos.
Depois da seção de degustação, logo tudo já girou. Nos segurando pelas paredes, meu irmão e eu fomos para casa, que não era longe dali, já tomados pelo álcool, cambaleando e rindo de tudo. Quando chegamos em casa e a mãe viu nossa situação foi à loucura. Enfiou um ovo cru goela abaixo de cada um para fazer-nos vomitar. Vomitamos muito. Depois cada um ainda levou um surra. E a mãe ficava dizendo enquanto nos batia:
- Que sintam o nojo de uma bebedeira para nunca mais repetirem, seus moleques!
Foi o meu primeiro porre. Aos sete anos de idade. E de cachaça!

Texto do escritor e radialista Pio Rambo publicado na sua página de Facebook

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