domingo, 8 de agosto de 2010

893 - Fim de carreira

E aconteceu, também por essa época, apenas algumas semanas depois do fechamento da fábrica Azaléia, o encerramento da longa carreira de Bernardo como padeiro. Foi no Natal de 2005 que ele sofreu mais este duro golpe.
Há algum tempo, com o surgimento de padarias e supermercados em todos os bairros da cidade, a entrega de pão nos pequenos mercados e nas casas vinha se tornando obsoleta. Mas Bernardo, mesmo já estando aposentado, insistia em continuar na sua atividade. Usando a sua própria carroça ele continuava vendendo pão para os armazéns e mercados pequenos. Não vendia mais nas residências, mas continuava tendo freguesia em alguns pequenos estabalecimentos comerciais. Muitos comerciantes continuavam dando preferência a Bernardo por amizade e pelo prazer do contato diário com ele.
Tradicionalmente, as padarias produziam pão todos os dias. Isso acontecia até mesmo nos feriados. O pão era sempre produzido na padaria e Bernardo fazia a entrega aos seus fregueses. O único dia do ano em que esta regra era quebrada era o dia de Natal. Nesse dia não havia entrega de pão.
Assim foi no dia 25 de dezembro de 2005, ano em que o Natal caia num domingo. O padeiro que lhe fornecia o pão resolveu tirar um descanso já no sábado, véspera de Natal. Foi viajar com a família e não avisou Bernardo. Naquele sábado ele levantou de manhã bem cedo e foi até a padaria para pegar o pão e levar aos seus fregueses. Chegando lá, encontrou uma pessoa que o informou de que a padaria não iria funcionar. Para não deixar de cumprir o seu compromisso com a freguesia, foi comprar pão num supermercado e não deixou de fazer a sua rota. Não eram necessários muitos pães, pois o número de clientes já havia diminuído muito nos últimos anos. Ele continuava na atividade, mesmo ganhando muito pouco, pelo prazer e pelo orgulho que ela lhe proporcionava.,
Por aquela época os jornais Primeira Hora e Panorama haviam feito reportagens relativas aos 50 anos de Bernardo na profissão de padeiro. E a Zero Hora, maior jornal do estado, também estava interessada em fazer uma reportagem sobre este padeiro que continuava na sua profissão há tanto tempo.
Bernardo não sabia que aquela seria a sua última entrega. Ele levou 25 pacotes de meia dúzia de pão cacetinho.
Ao conversar com o dono da padaria, teve a triste notícia de que o proprietário não tinha mais interesse em continuar com a entrega de pão para revenda em outros estabelecimentos. Bernardo não era empregado da padaria. Há alguns anos ele se tornara autônomo. Comprava o pão na padaria e o revendia nos pequenos mercados, ganhando um pequeno lucro. Como a quantidade de fregueses era pequena, o seu ganho era pequeno. Mas não queria parar com a atividade que, por mais de 50 anos, fizera parte da sua vida e fora o principal modo dele sentir-se útil à sociedade.
Já naquela época, Bernardo costumava proporcionar passeios de carroça pela cidade às crianças de creches e escolas infantis. Isso acontecia em datas especiais, como o Dia da Criança, São João, Páscoa e Natal. O passeio era combinado com as professoras e as crianças, muitas vezes, participavam do passeio devidamente caracterizadas: na Páscoa, com orelhas de coelho feitas de papel; no dia de São João, com chapéus de palha ao estilo caipira e, no Natal, elas usavam touquinhas de Papai Noel. E Bernardo acompanhava o figurino. Estes passeios com crianças tornaram-se tradicionais na cidade. Fazia parte do ritual a carroça parar na frente de alguns armazéns. As crianças, então, cantavam uma música e o dono do armazém as gratificava, presenteando-as com balas.
Hoje, mesmo não se dedicando mais à entrega de pães, Bernardo preserva cuidadosamente as suas carroças para continuar proporcionando este tipo de divertimento às crianças caienses.

Nenhum comentário:

Postar um comentário