Pedro_Weingärtner retratou a vida dos imigrantes, que testemunhou no século XIX |
A palavra ubérrimo (derivada de úbere, nome da glândula mamária nas vacas), é aplicada para dizer que uma terra é muitíssimo fértil. E era isso que se dizia do Vale do Caí nas primeiras décadas da sua colonização. Elogio merecido, em vista da extraordinária produtividade obtida pelos colonos alemães que o desbravaram na segunda metade do século XIX.
Os imigrantes alemães chegados ao estado a partir de 1824 logo se preocuparam em cultivar a terra para garantir a sobrevivência das suas famílias. O padre Balduíno Rambo (natural de Tupandi, grande cientista, ecologista e intelectual gaúcho), na Enciclopédia Rio-grandense, editada no ano de 1956.
VINHO
"A videira, símbolo do Reno e do Mosela desde os tempos da dominação romana, foi logo introduzida, formando a latada (grade de ripas ou varas na qual se apoia a parreira) de uvas, ainda hoje um aspecto característico no pomar do colono. Já em 1932 (o imigrante) Mathias Franzen escrevia: "Plantamos também videiras, mas as formigas lhes fazem muito dano, comendo os frutos e as folhas".
Quando, em 1845, se iniciou a colonização da região de Feliz, alguns colonos, conhecedores da fabricação do vinho em sua terra de origem, plantaram parreirais, iniciando em breve, a exportação do produto para Porto Alegre. Em 1875, existiam seis cantinas na colônia cuja produção, entre 1863 e 1869, fizera baixar o preço da garrafa de vinho puro de 1$280 (1,280 mil réis) para $320 (0,320 mil réis).
Essa indústria, porém, não podia concorrer com os vinhos de importação, melhores e mais rendosos que para o comércio. No relatório dos primeiros jesuitas espanhóis ao Superior Geral da Ordem, de 1845, acha-se a seguinte frase, compreensível na boca de homens acostumados aos vinhos generosos da sua terra: "habent vinum, sed est tamquam aqua" (têm vinho, mas é como água) * Quando, de 1875 em diante, os italianos introduziram a cultura da videira no planalto, a produção na colônia alemã decaiu, limitando-se, em casos eporádicos, ao consumo doméstico."
*O vinho que esses jesuítas experimentaram em 1845 não era, ainda, o dos colonos da Feliz (chegados naquele mesmo ano) que, pelo que se vê, foi bem aceito em Porto Alegre na década de 1860. Mesmo que não fossem comparáveis, é claro, com os melhores vinhos espanhóis (nota do Histórias do Vale do Cai).
FEIJÃO
"Em vista dos resultados precários com as plantas da terra de origem, os colonos, logo nos primeiros anos, adotaram as espécies correntes da nova pátria. Entre elas, o feijão preto, por motivos de alimentação, grande rendimento nas terras virgens, fácil exportação (uma vez que não se deteriora rapidamente) e bom preço, constituiu, durante 70 anos, a principal fonte de renda direta dos colonos. Regiões houve, como a do Caí, que se constituíram em celeiros do feijão para todo o país.
Por volta de 1890, nos meses de novembro e dezembro, afluíam ao porto fluvial do Caí, cerca de 100,000 de feijão, sendo o trânsito anual mais do que o dobro e elevando-se a exportação para fora do estado, de 23.ooo sacos em 1856 para 600.000 em 1895. Nos trinta anos subsequentes, a exaustão dos solos e a concorrência de outros estados produziu um declínio catastrófico desta colheita, de maneira que, em 1920, apenas 250 sacos transitaram pelo porto fluvial do Caí. Na atualidade, a produção de feijão, muitas vezes, se reduz ao consumo doméstico."
MILHO
"Muito mais importante e duradoura se manifestou a cultura do milho, como cereal de pão e base da criação de animais domésticos, especialmente de porcos*. Por esse motivo, o colono geralmente não vende o milho. O município do Caí, (foi transformado num) milharal imenso na sua parte colonizada (pelos alemães), em 1920 exportou apenas 1.320 sacos; o de São Leopoldo, 11.600; entretanto, a produção total, no pequeno município de Estrela, se estimava, em 1920, em 950.000 sacos."
*O milho era alimento básico para a criação de suínos, que foi a principal fonte de riqueza do Vale do Caí no final do século XIX e início do século XX (Nota do Histórias do Vale do Cai). A maior parte da produção de milho era transformada em ração para os porcos.
ALFAFA
Na primeira metade do século XX, a alfafa tornou-se um grande produto de exportação do Vale do Caí. "onde substituiu o feijão, sendo uma das razões secundárias do seu declínio. A produção, de 161 toneladas exportadas em 1900, subiu para 5.629 em 1920. Por uma única casa de negócio, nesta região, passavam, naquele tempo, 35.000 até 45.000 fardos, de 80 a 90 quilos cada um, valendo a arroba (15 quilos) cerca de três mil réis. Como a braça quadrada de chão (4,84 metros quadrados) pode, em boas circunstâncias, produzir uma colheita anual de uma arroba, não houve, nem há no presente (década de 1950), cultura mais compensadora do que a da alfafa.
MANDIOCA
"Da mandioca, (o imigrante Mathias) Franzen conta, em 1832:
A raiz da mandioca ou da farinha, é um alimento principal e medra sobremaneira bem. As raízes mansas (aipim) têm um gosto ainda mais agradável do que a batata. As raízes bravas (mandioca) no moinho são transformadas na mais fina farinha, que se conserva muito tempo, sendo comida pelos portugueses em lugar do pão, acrescentada a muitas outras comidas, e exportada para longe, além do mar.
Não admira que os imigrantes logo incorporaram o aipim no seu cardápio, e a mandioca brava no alimento dos animais domésticos e na produção de farinha e fécula (polvílio). A exportação da farinha de mandioca, na maior parte proveniente da colônia alemã, segundo os métodos aprendidos com os brasileiros, subiu de 8.353 sacos de 50 quilos em 1856 para 737.581 em 1920, afora a grande quantia consumida no uso doméstico."
CANA DE AÇÚCAR
A cana de açúcar, apesar de ser sensível ao frio, foi intensamente cultivada pelos colonos alemães. Dela eles extraíam o melado, com o qual produziam melado e esse servia para a fabricação de geleia (schmier). No século XX, a guarapa foi muito utilizada para a produção de cachaça. No Vale do Cai, dezenas de alambiques foram instalados. Em Bom Princípio, os donos de vários alambiques se uniram para comercializar sua produção com uma única marca: "Lágrimas do Forromeco". Na localidade de Arroio Bonito (do interior caiense) foi produzida a cachaça Sol, por um longo período. No Caí, Wilibaldo Klein instalou um alambique e produziu a cachaça Sereia, mas não conseguiu manter a produção por muito tempo.
A grande aplicação da cana, no entanto, foi para o trato de animais. Especialmente as vacas leiteiras. Os colonos plantavam cana para alimentar o gado no período de inverno, quando a grama nos pastos se desenvolvia pouco e não supria a necessidade dos animais.
OUTROS PRODUTOS
O fumo era produzido pelos colonos para ser consumido na forma de cigarros de palha (palheiro). O doutor Bruno Cassel, médico consagrado e três vezes prefeito municipal, era usuário de palheiros, ainda na década de 1980. Os primeiros colonos do Vale do Caí o produziam, mas a cultura foi definhando na medida que a região de Santa Cruz especializou-se na sua produção em alta escala e com melhor tecnologia.
O amendoim servia tanto para a alimentação humana como para a produção de óleo inflamável, para ser usado na iluminação doméstica através das lamparinas. O arroz de sequeiro foi produzido pelos colonos para a alimentação da família, adotando a parceria do feijão com arroz como base da alimentação familiar, junto com as carnes.
O linho, planta fibrífera da Europa, durante os primeiros 50 anos da colonização, fornecia grande parte dos tecidos de consumo. Em 1865, entre 816 famílias santacruzenses, havia 365 rocas manuais (spinnrüder) e 41 teares. A mecanização da indústria textil e o barateamento dos tecidos de algodão destruíram esta indústria caseira.
Entre as frutíferas, as variedades de maçã e pera das quais foram trazidas sementes pelos colonos não se aclimataram por aqui. Só mais tarde, com variedades mais adequadas, foi possível cultivá-las, mas sem grande expressão econômica. Já o pessegueiro e a nogueira se deram bem e foram bastante cultivadas pelos colonos.
Mas as frutíferas que mais foram cultivadas, especialmente no Vale do Caí, foram as cítricas: laranja, bergamota e limão. Pelas águas do rio Cai, os colonos levavam essas frutas para Porto Alegre, em canoas, chatas, vapores e gasolinas.
AUTO SUFICIÊNCIA
Os colonos produziam quase todo alimento que necessitavam, inclusive a carne e o leite. No armazém, só compravam o sal e o açúcar branco mais a pimenta e outros condimentos. Tecidos, lâmpadas a óleo para a iluminação e muito mais utensílios eram, inicialmente, produzidos em casa. O café também foi um produto comprado pelos colonos, assim como agulha, linha de costura e botões. Os travesseiros, por exemplo, eram feitos com penas de galinha ou flocos de algodão apanhados da árvore que tinham no seu pomar.
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