A pintura de Pedro Weingärtner registrou aspectos da vida dos imigrantes alemães, como a fabricação de tecidos em casa |
A palavra ubérrimo (derivada de úbere, nome da glândula mamária nas vacas), é aplicada para dizer que uma terra é muitíssimo fértil. E era isso que se dizia do Vale do Caí nas primeiras décadas da sua colonização. Elogio merecido, em vista da extraordinária produtividade obtida pelos colonos alemães que o desbravaram na segunda metade do século XIX.
O padre Balduíno Rambo, grande cientista e intelectual nascido em Tupandi, escreveu sobre isso de forma admirável e grande conhecimento de causa, já que ele mesmo foi filho de colonos e conheceu a atividade agrária na sua terra natal.
Na Enciclopédia Rio-grandese, editada em 1956, Rambo faz uma análise da agricultura praticada pelos imigrantes alemães e seus descendentes.
"O grosso dos imigrantes alemães - como posteriormente dos italianos - consistia em duas profissões que, no Rio Grande de então, faziam mais falta: pequenos agricultores e artesãos.
Três problemas iniciais se defrontaram com os adventícios, exigindo solução imediata.
O primeiro era o da distribuição das terras. No seu país de origem, tinham morado em aldeias, possuindo campos cultivados, muitas vezes em frações dispersas, nos arredores. Aqui, o lote colonial, dez vezes mais extenso do que o que tinham deixado (na terra de origem), unido numa única gleba, forçava à dispersão.
Por este motivo, desde o começo, os alemães abandonaram o sistema de aldeias, substituindo-o pelas granjas isoladas. Só ao redor da igreja, da escola, da venda, pouco a pouco se constituíram os centros frouxos da povoação que, em casos favoráveis, conduziram à formação de vilas e cidades. Entre os italianos, aliás, a transição de aldeias para a dispersão, pelas mesmas razões, tomou o mesmo caminho, embora a concentração sobre o cultivo da videira favoreça mais os núcleos compactos.
O segundo problema era o das plantas a serem cultivadas. O trigo, o centeio e a cevada, cereais costumeiros da terra de origem, plantas de caráter temperado, sem variedades adaptadas (ao clima local) e sujeitas ao ataque destruidor da ferrugem, desde logo se mostraram inadequados. Razão porque, até hoje, se plantam apenas ocasionalmente e para consumo doméstico. A batatinha, planta principal das terras pobres da Europa, apesar das vicissitudes anuais, alternando colheitas abundantes com completo fracasso, continuou a ser cultivada aqui, principalmente para consumo doméstico. No momento atual, em vista das facilidades de transporte e dos resultados assombrosos obtidos em alguns anos, esta planta, anteriormente apanágio (especialidade) da colônia de São Lourenço, mais e mais atrai a atenção dos agricultores.
O terceiro problema, inicialmente o mais sério de todos, diz respeito ao metodo da agricultura. Na Alemanha, desde séculos, existe a nítida separação entre terras de mato e terras de agricultura. Enquanto as florestas, propriedades das comunas, dos grandes senhores ou do estado, já então se utilizavam exclusivamente para a produção de madeira e lenha, num sistema altamente aperfeiçoado de silvicultura racional; as terras aráveis, num rodízio permanente de culturas e pastagens e com o auxílio da adubação, durante gerações sem conta serviam para o plantio.
Claro está que as condições, na nova pátria, deviam provocar uma mudança radical dos métodos tradicionais. A adaptação não se deu duma vez, nem sem graves erros e retardamentos. O velho Henz, um dos fundadores de São José do Hortêncio, em 1899, assim descrevia a luta inicial pelo pão de cada dia:
"Todas as derrubadas dos novos colonos, quando aqui chegaram, não cobriam a área da roça dum único colono de hoje. Ninguém de nós sabia como aqui se deve trabalhar. Derrubávamos um pequeno trecho de mato, mal suficiente para plantar meia quarta de milho, cortávamos todos os galhos e os amontoávamos para queimar, pois não tínhamos coragem de por fogo nas derrubadas, temendo que o fogo invadisse o mato e destruísse tudo. Os troncos, os rolávamos para a beira do mato, ou n'nágua, se havia algum arroio na proximidade. Depois nos metíamos a escavar os tocos, pois nós, alemães, não podíamos imaginar como entre as raízes poderia crescer qualquer coisa. No plantio, procedíamos ainda com menor jeito. No milho, plantávamos apenas um grão em cada cova, e o centeio e o trigo, do qual plantávamos muito porque tínhamos saudade do pão alemão, semeávamos tão denso como se faz na Alemanha, com resultados mui pouco satisfatórios."
Como se vê, os imigrantes viviam debaixo da obsessão de que só em roças livres de pedras, tocos e raízes e com solo arável se podia fazer agricultura. Somente forçados pela necessidade adotaram o sistema corrente de derrubadas e queimadas. Uma vez conhecido o prodigioso rendimento inicial de tais terras, não houve mais força para sustar o ataque geral às selvas.
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