sexta-feira, 30 de julho de 2010

864 - Cantarola

José Eloy dos Santos, vice presidente da câmara de vereadores; Omar Bergamm, recebendo homenagem; Egon Schneck, prefeito e João da Silva Reis, presidente da câmara, em solenidade 
realizada em 19 de abril de 1989, na sala da lareira do Country Tênis Clube





Assim como Bernardo Padeiro, um outro caiense de origem humilde teve bastante destaque no município ao longo das décadas de 1960 e 1970. Ele se chamava João da Silva Reis, mas todos o conheciam pelo apelido de Cantarola. Começou a se destacar como músico. Ele era baterista de bandas da época, como o Jazz Espia Só e o Céu Azul. E chamava atenção, também, pelo fato de fazer caretas. Ele virava a sua dentadura postiça dentro da boca e arregalava os olhos produzindo uma total transformação na sua fisionomia. Enquanto tocava sua bateria, ele atirava as baquetas para o alto e as aparava novamente, continuando a música, sem perder o ritmo.
Ele também era agricultor e prestava serviços aos demais produtores rurais fazendo a castração de animais. Especialmente suínos. Principalmente em fêmeas, o que exigia mais conhecimento e habilidade. Era muito desinibido e “despachado” e se caracterizava por uma extraordinária disposição para fazer favores a todas as pessoas. Trabalhava mais para os outros do que para si mesmo. E, como muitos lhe deviam favor, acabou por capitalizar a gratidão das pessoas para obter votos. Ele gostava da política e, mesmo sendo semi-analfabeto, se elegeu vereador. Foi também vice-prefeito (na chapa de Bruno Cassel), secretário de obras e candidato a prefeito.
O partido de Cantarola era o Democrata Cristão (PDC). Um partido conservador que se opunha ao Partido Trabalhista Brasileiro (de centro-esquerda). Quando ocorreu a Revolução (ou golpe) de 1964, a maioria dos gaúchos empolgou-se com a resistência organizada pelo governador Leonel de Moura Brizola, que era do PTB e tentou resistir ao golpe militar que derrubou o presidente João Goulart (também do PTB e cunhado de Brizola). Mas Goulart não resistiu e partiu para o exílio, no Uruguai, o que fez com que os militares assumissem o poder sem maior resistência. Mas, antes disso, a situação esteve muito difícil e quase chegou a ocorrer um confronto militar. Brizola não aceitou a deposição do presidente. Ficou no Palácio Piratini, armado e cercado de correligionários dispostos à resistência, no movimento que ganhou o nome de Legalidade. Houve até a ameaça de bombardeio aéreo ao palácio de governo (situado no centro de Porto Alegre). Por fim, Brizola acabou cedendo e partiu também para o exílio. Evitou-se assim o derramamento de sangue. O cardeal Dom Vicente Scherer, natural de Bom Principio, apoiou Brizola e diziam os oponentes do governador que este fugiu disfarçado com uma batina de padre.
Cantarola fez, então, a sua maior proeza. Ele se dispôs a ir a pé até Brasília, justificando que havia feito a promessa de que faria isso caso fosse evitado o confronto armado no impasse causado pela derrubada de Goulart.
Bernardo, que o conhecia muito bem, foi contra a idéia. Antes da partida de Cantarola um repórter o entrevistava sobre o assunto e Bernardo não se conteve. Tentando ainda demovê-lo da idéia, disse: “Tu vai fazer uma loucura. Isto não é coisa de gente séria.” O repórter perguntou porque estava dizendo aquilo e Bernardo respondeu: “Ele vai deixar a mulher com meia dúzia de filhos menores e vai sair por este mundo a fora”. Mas Cantarola disse que ele havia feito a promessa e tinha de cumprir.
E assim, solenemente, com acompanhamento da imprensa da capital, ele partiu para a sua longa jornada. Mas, por estar usando calçado inadequado, foi parar no hospital, em Caxias, com os pés cheios de bolhas. Mas não desistiu. Depois de recuperado seguiu viagem e chegou à capital federal.
Naquela época a assistência social era muito deficiente e havia muito mais miséria do que atualmente. Não eram incomuns os casos de idosos que moravam sozinhos, em locais isolados, sem nenhuma assistência. Quando uma dessas pessoas morria, o fato só era percebido dias depois, quando o cadáver já estava apodrecido, sendo comido pelos vermes. O mau cheiro era insuportável e, nesses casos, quando a polícia era avisada do fato, apelava sempre para Cantarola. Ele comparecia com muito boa vontade e se dispunha a fazer o trabalho, piedoso mas repugnante, de remover o cadáver colocando-o num saco ou caixão.

Foto do acervo de Fernando dos Santos

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