Os macacos foram trazidos por caminhoneiros, de outros estados do país, e hoje vivem livremente nos morros próximos a São Sebastião do Caí |
Antigamente, os macacos e bugios eram grandes inimigos dos primeiros colonizadores da região. Ele atacavam as plantações, especialmente as de milho, destruindo tudo. O que, por sinal, acontecia também com os índios. E os colonos reagiam a esses ataques, tanto dos humanos como dos símios, da mesma forma: a tiros. Não tinham outra alternativa, pois do contrário suas famílias passariam fome.
Não é de estranhar, portanto, que índios, maacos e outras espécies de animais selvagens, inclusive a temível onça, que também habitava o Vale do Caí,desapareceram das matas. Aliás, também com as matas os colonos chegaram quase a acabar. Mesmo as íngremes encostas dos morros eram usadas para o cultivo de alimentos e assim, a mata nativa que antes cobria quase todo o vale, foram praticamente extintas.
Nessa época o Vale do Caí chegou a ser o maior produtor de feijão do país e também produzia muito milho, batata, aipim e alfafa. Era também intensa a criação de suínos, para produzir a banha, um grande produto de exportação (assim como a alfafa).
O tempo passou e muita coisa mudou. Houveram muitos avanços e, também, alguns retrocessos. No bom sentido. Como não é mais econômico produzir milho na nossa região, pois nossos agricultores não podem competir com as grandes lavouras mecanizadas, o mato nativo foi lentamente retornando e as encostas dos morros, hoje, são novamente cobertas por florestas. Isso acontece até mesmo em morros existentes junto às cidades, como o Morro do Hospital, no Caí. Assim como a vegetação de mata atlântica, também a fauna selvagem está retornando. Tatus, gambás e até jaguatiricas aparecem cada vez mais seguidamente nas matas da região.
Um caso especial é o dos macaquinhos que se encontram atualmente no Morro do Hospital e, também, no Morro do Angico (o do Reposs Bar). Esses foram trazidos ao Caí por caminhoneiros e viviam em cativeiro numa residência da cidade. Certa vez, como o aprisionamento proibido dos animais foi denunciado e fiscais do IBAMA chegavam para fazer a sua apreensão e consequente responsabilização do autor do crime ambiental, este tratou de abrir as gaiolas e liberar os animais. Eles correram para o Morro do Hospital, que é próximo ao local do seu cativeiro. E, desde então, vivem naquelas matas. E se propagam, pois o homem deixou de ser seu predador e tornou-se seu amigo. Essa mudança de atitude da população foi bem observada no caso relatado a seguir, ocorrido em agosto de 2012. O relato é de Aline Scherer.
Um macaquinho em apuros
Gostaria de compartilhar com todos um episódio incrível que aconteceu comigo no último sábado.
Eu vinha pela RS 122, em direção ao centro, e vi um animal diferente, que se assemelhava a um gato preto de grande porte. Foi nas proximidades do Parque Centenário, no lado esquerdo da faixa. Ao passar mais perto, vi que era um macaco. Estava levando minha sobrinha Malu Hartmann para pegar ônibus na rodoviária e ainda comentei com ela: “Tomara que ele não atravesse a faixa, porque pode ser atropelado.” Ela me respondeu: “Capaz tia. Eles são animais inteligentes. Ele não vai atravessar.” Concordei e segui meu destino, impressionada por ter visto um macaco ali. Uma cena inusitada.
Quando voltava para minha casa, fazendo o mesmo trajeto, vi alguns carros parados com o pisca alerta ligados e uma senhora fazendo sinal para os carros irem mais devagar. Imediatamente, estacionei no acostamento, liguei o pisca alerta e para a minha tristeza, vi que o pobre macaquinho havia sido atropelado. Uma senhora vinha atravessando a faixa com o animal nos braços.
Senti uma grande necessidade de descer do carro e ver de perto se o macaco estava vivo. Fiz isso e, para minha alegria vi que ele estava muito vivo, com aqueles olhinhos inocentes e assustados, deitado sobre os braços desta amada senhora: dona Mara Hillesheim.
Ele estava com bastante escoriações e corria sangue na sua boquinha. Havia sido jogado longe com o impacto da batida.
Conforme relato de testemunhas, o condutor do veículo que o atropelou fez de propósito, pois quando viu o bichinho atravessando, acelerou para que a batida fosse certeira.
Imediatamente me prontifiquei em levá-lo ao veterinário, para que fosse examinado. Neste momento senti, mais do que nunca, a presença de Deus, pois Ele nos coloca no lugar certo e na hora certa. Prestar socorro ao animal me deu uma grande satisfação interior. Tanto que me causou estranheza o fato das outras pessoas que ali pararam para ver a cena, não tiveram o mesmo impulso.
Eu jamais poderia deixá-lo ali desorientado, com medo, podendo ter sofrido algum ferimento interno mais grave. E lá fomos nós, a procura de um veterinário que estivesse em casa e pudesse atender este amigo mais do que especial. Para a nossa felicidade, encontamos o veteriário Macário Arrué, que examinou a vítima e concluiu que haviam apenas ferimentos superficiais. E o sangue na boquinha era devido à batida, na qual perdera um dos dentinhos. O bichinho estava assustado, pois não tem o costume de conviver com seres humanos. Nos olhava com ar de desconfiança, mas entendia que estávamos tentando ajudá-lo. O doutor, então, o aplicou uma injeção para a dor e achou melhor que fosse devolvido no mesmo lugar aonde estava, pois ao que tudo indicava, ali havia sua família, seu bando, e era seu habitat natural.
Quando abri a porta do carro para a senhora entrar com o macaquinho que a abraçava fortemente, percebendo nela um sentimento de segurança, fui acomodá-los no banco e ele segurou fortemente os meus dedos, como forma de agradecimento. Isso, para mim, não tem preço. Me emociono escrevendo, pois me sinto muito afortunada por poder ter feito tudo o que fiz naquele momento.
Então, o levamos de volta para seu habitat natural, o soltamos suavemente para que entrasse mata a dentro e, nesse instante, ao detectar a presença do macaquinho, o seu bando veio buscá-lo. As folhas das árvores começaram a balançar e os macacos maiores começaram a surgir, como cena de filme mesmo. Fique admirada e maravilhada com aquela cena. Quase não podia acreditar em tamanho espetáculo que me estava sendo proporcionado.
Então, o nosso amiguinho lentamente seguiu o seu caminho, subiu numa árvore para se juntar ao seu bando e, a cada passo que dava, nos olhava com ar de agradecimento, mas com a certeza que precisava ir, pois era ali que deveria ficar. Depois de tudo isso, cheguei em casa, respirei fundo e chorei. Chorei por ter tido o privilégio de haver presenciado uma cena linda.
Agradeço, do fundo do meu coração, a esta senhora que o socorreu e a todos que, de um forma ou outra, tentaram ajudar. O Pedro Biazuz, por ter se mobilizado também e tentado, de várias formas, providenciar socorro; ao senhor, que mora nas proximidades desta área, que tem contato mais frequente com estes animais e se disponibilizou a monitorá-los e cuidar deles da melhor forma possível. Espero que este texto sirva de conscientização a quem o ler e que o senso humano, de compaixão e solidariedade, aflore nos corações de quem dedicou alguns minutos à leitura dessas linhas.
Foto de Vando Coelho
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