domingo, 26 de novembro de 2017

5218 - De menino pobre no bairro Qulombo a reitor da Universidade Federal de Alfenas



O professor Sandro Amadeu Cerveira (na foto com a esposa e filhos) narra a trajetória de sucesso que culminou com a sua recente eleição para o cargo de reitor da Universidade Federal de Alfenas, em Minas Gerais.


Sandro Cerveira  assume a reitoria da Universidade Federal de Alfenas

Sandro, o maiorzinho, com seus irmãos em foto
do tempo em que moravam no Caí

“Nasci em 10 de Fevereiro de 1969, em São Sebastião do Caí, no Hospital Sagrada Família. 
Minha mãe, Carmem Lúcia Cerveira, tinha então 19 anos e era uma jovem dona de casa. Quase morremos no parto. Sobrevivemos graças a uma cesariana de emergência feita pelo Doutor Bernardo Turkenitch. 
Meu pai, Luiz Natal Cerveira, com 31 anos, era mecânico da Brasília Guaíba Obras Públicas, emprego esse no qual permaneceu até sua aposentadoria por razões de saúde. Sou o mais velho com mais dois irmãos: Marcos Leandro Cerveira e Luiz Alexandre Cerveira.
Minha primeira infância passei no Caí. Incialmente, segundo contavam meus pais, moramos na chácara do meu avô materno Sebastião Fernandes. 
Deste tempo não tenho lembranças. Minhas primeiras memórias são na “casa velha”, da qual restam apenas ruínas atualmente. Era uma casa de pedra laje que meu avô paterno, Ramiro Pires Cerveira, emprestou a meus pais para começarem suas vidas.  
Essa casa, localizada em uma modesta chácara no Passo da Taquara, fora a primeira casa dos meus avós. Muito simples, contava com apenas um quarto, uma salinha e uma cozinha rústica com fogão a lenha. ,
A energia elétrica chegou a essa região, salvo engano, apenas nos anos 80. Por isso as memórias que tenho desse período são da frágil luz do lampião a querosene. 
Vivi ali até os 5 anos e, desta época, lembro apenas da convivência com minha família família e de sensações como o encanto de ver através da janela, numa manhã de inverno, o telhado da cocheira coberto de geada. Sentir o cheiro das maçanilhas (camomila) e beber a água fria recém tirada do poço num dia quente de verão. 
Dali mudamos para o Rincão do Cascalho, para uma casa que sempre chamei de “casa amarela”.  Nossa referência, como para a maioria dos moradores do “Rincão” seguia sendo o Caí. Lembro-me de tomar o Caiense com minha mãe na parada 35 para ir até o “povo”, como dizia minha avó Dona Amanda. No Caí é que fazíamos as compras de sapato na loja do seu Lopes, que sempre nos recebia nos chamando de “colorados” (de fato todos éramos colorados) tirávamos fotos, tomávamos vacinas, íamos ao médico e visitávamos minha avó. 
Quando fiz sete anos meu irmão Leandro, então com seis, e eu fomos finamente para a escola. Foi um momento muito feliz e esperado. Estudamos, até a terceira série, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Getúlio Vargas, que ficava a uma distancia razoável. Quando não contávamos com a companhia da professora Terezinha ou de outros colegas, meu irmão e eu íamos sozinhos, caminhando pela beira da faixa.
A escola, hoje desativada, ficava no meio de um campo e tinha uma única sala e dois banheiros externos. Desconfio que o apoio e a logística da família da professora Alcina, que morava perto da escola, era fundamental para o seu funcionamento. Lembro-me de buscar água, com meu amigo e colega de sala Edson, em uma grande chaleira na casa dela. 
Apesar do tamanho reduzido, havia na escola uma cozinha, onde as professoras preparavam a merenda, e uma biblioteca na qual descobri os livros infantis de Érico Veríssimo. Era maravilhoso ler e viajar nas ilustrações de livros como “Rosa Maria no Castelo Encantado”, “O urso com música na barriga” ou “As aventuras do avião vermelho”. Esse último me fez sonhar que um avião em miniatura caía em nosso quintal perto do arvoredo e seu piloto, também minúsculo, conversava comigo sobre suas aventuras assentado na palma da minha mão. 
A escola tinha um espaço livre no qual fazíamos bons recreios com brincadeiras tipo “ovo choco” ou “pega-pega”. Além, é claro das partidas de futebol com a participação sempre animadora da professora Terezinha. 
Faço questão de homenagear essa querida professora que tenho a honra de chamar de colega.  Além do afeto e gratidão que ela merece de todos seus ex-alunos e ex-alunas por sua atitude humana e humanizadora.
Do Rincão do Cascalho nos mudamos para São Vicente do Sul, onde moramos por aproximadamente três anos. Viajávamos sempre pra rever a família, inclusive minha avó, que já morava no bairro Quilombo. 
Quando estava com 13 anos, meus pais se separaram e voltamos a viver no Caí, na rua Esperanto, perto de onde minha avó e tia já moravam. 
Foi talvez o período de maiores dificuldades. Minha mãe, com três filhos (de 13, 12 e 9 anos), sem formação profissional e com pouco apoio, trabalhou em casas de família como empregada doméstica ou diarista e também na Escola Normal, como cantineira e faxineira.  A morte do meu pai, em seguida, não melhorou as coisas. 
CARREIRA
Com 14 anos tirei minha carteira de trabalho. Assumi um emprego na Empresa Caiense de Ônibus como cobrador, fazendo viagens a Porto Alegre, Novo Hamburgo e São Leopoldo. Meu último ano do ensino fundamental (8ª serie) fiz enquanto trabalhava nessa empresa. 
Fiz, então o vestibular para a escola técnica Liberato, em Novo Hamburgo, e fui aprovado com bolsa. Estudei ali dois anos. Estudava pela manhã e à tarde e noite trabalhava como empacotador no supermercado Nacional. Morava de “pensão” na casa da querida família de Noeli, que me acolheu com carinho nesse período. No segundo ano meu pai faleceu. Um duro golpe. 
Ao final do segundo ano deixei o Liberato e fui estudar teologia no Paraná, para me tornar pastor. Já estava na Igreja Batista há alguns anos e sonhava ser pastor. Com 17 anos fui para o Paraná estudar no Instituto Bíblico Maranata onde me formei. Detalhe: o curso de teologia ali oferecido era do tipo livre e, portanto, não alterou minha escolaridade do ponto de vista formal. Segui com o 2º grau (hoje ensino médio) incompleto.  
Conheci minha esposa nesse seminário e, quando nos formamos nos casamos e fomos trabalhar em Belo Horizonte, na fundação da Igreja Batista Boas Novas do Floramar (bairro da zona norte de Belo Horizonte). Nosso primeiro filho Samuel Bragança Cerveira, nasceu em um ano e oito meses, depois veio a nossa Jéssica Bragança Cerveira, quatro anos após o casamento.  
Ali fui ordenado pastor e atuei por mais de dez anos. Nesse período, muito por incentivo da minha esposa Rosimeire Bragança Cerveira, voltei a estudar. Fiz o supletivo. Prestei as provas da Secretaria de Educação e obtive meu diploma de ensino médio. Animado por haver passado, fiz vestibular por duas vezes na Universidade Federal de Minas Gerais e fui aprovado no curso de História.
De 1995 a 2000 fiz minha graduação conciliando o trabalho na igreja com um segundo emprego como vendedor. Foram anos difíceis de pouco sono e muitas lutas.  Sem a parceria incansável da minha esposa que se sacrificou cuidando das crianças, da casa, trabalhando fora e ajudando na igreja, eu teria desistido. Ao final da graduação apareceu o interesse pelo mestrado. Apesar de não ser das Ciências Sociais fiz a seleção no Departamento de Ciência Política da UFMG e passei em 4º lugar. Foi um momento de muita alegria.
Durante o mestrado veio nosso terceiro filho, João Luís Bragança Cerveira.  Mais uma vez minha esposa mostrou sua força, pois, mesmo com o filho pequeno, começou sua graduação até então adiada. Enquanto eu fazia o mestrado ela concluiu sua graduação em Educação Artística com habilitação em música. 
O tempo do mestrado foi de grandes transformações pessoais e profissionais.  Renunciei a bolsa a que tinha direito para atuar como chefe de gabinete na Secretaria de Serviços Sociais da regional norte da prefeitura de Belo Horizonte e, depois, iniciei minha carreira como docente universitário.  
Concluído o mestrado atuei por alguns anos em várias faculdades privadas, em várias ocasiões lecionando longe de Belo Horizonte. Em 2006 fiz a seleção para o doutorado em Ciência Política também na Universidade Federal de Minas Gerais.
Mais uma vez foi necessário conciliar o trabalho e os estudos. Com três filhos e sem uma casa própria, apesar do trabalho parceiro da esposa, não era possível viver apenas e somente da bolsa. 
Uma oportunidade surgiu: fazer um período de estágio (doutorado sanduíche) na Universidade de Salamanca, na Espanha, uma das mais antigas universidades do mundo. Estudei no Instituto de Ibero-américa, com o qual nosso grupo de pesquisa da UFMG iniciava sua parceria. Foium  semestre de aulas e parecerias de pesquisa que muito favoreceram a minha formação e, obviamente, o domínio da língua espanhola.
De volta ao Brasil tratei de defender a tese mas, antes de concluir o doutorado, uma amiga querida me falou de um concurso na recém-criada Universidade Federal de Alfenas, na cidade de Alfenas. Fiz o concurso. Não fui chamado imediatamente, mas em 2010 estava tomando posse como professor de Ciência Política no Instituto de Ciências Humanas e Letras da UNIFAL-MG.
Nos últimos sete anos atuei como professor, membro de comissões e diretor eleito por dois mandatos pelo meu Instituto. No final do ano passado a universidade começou a discutir a sucessão de nosso atual reitor e meu nome apareceu como pré-candidato. 
A campanha começou a cerca de dois meses e foi muito intensa. Pela primeira vez na historia da UNIFAL-MG haviam quatro chapas disputando a reitoria. Fomos para o segundo turno e agora, no dia 23 de novembro, junto com o professor Alessandro Costa Pereira, fomos escolhidos para sermos os novos reitores da universidade."

Depoimento do reitor Sandro Amadeu Cerveira, em entrevista concedida ao jornal Fato Novo

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