quarta-feira, 13 de março de 2019

5445 - O prazer e a sociabilidade a partir do rio Caí

São Sebastião do Caí no início do século XX,  vista do Morro do Martim 
(hoje Morro do Hospital) 

REPRESENTAÇÕES DA CIDADE: LAZER E SOCIABILIDADES A PARTIR DO RIO CAÍ (1875 - 1950) Janice Roberta Schröder 1 

Este estudo tem como tema as representações dos caienses em relação ao rio Caí no que tange ao lazer e às sociabilidades desde o surgimento do município em 1875, até o declínio da navegação no rio em  meados do século XX. Para isso, fez-se uso de diferentes fontes de pesquisa como história oral, poema do livro "Reminiscências"(1975) e fotografias. Esta pesquisa é qualitativa e se insere no campo da História Cultural do urbano. Busca identificar e analisar as representações dos caienses em relação ao rio Caí no que se refere ao lazer e as sociabilidades no período em questão. Constatou-se que o rio Caí, além de ser crucial para o desenvolvimento econômico da cidade, também foi importante para o lazer e sociabilidades dos caienses fazendo parte da sua memória coletiva.  

Palavras-chave: História cultural. Memória. Representações. Rio Caí. Lazer e sociabilidades. 

Introdução 

 O presente artigo é uma adaptação da pesquisa para a dissertação de mestrado que versa sobre a relação entre a cidade de São Sebastião do Caí e o rio. Este estudo tem como tema a relação dos caienses com o rio Caí, no que se refere ao lazer e sociabilidades, desde 1875 até meados do século XX. A delimitação temporal se deu desta forma devido à importância do rio como escoadouro de mercadorias e via de acesso a bens não fabricados na região, o que possibilitou a elevação do povoado à categoria de vila, em 1875, devido ao Porto do Guimarães. A pesquisa estende-se até meados do século XX, quando a navegação no rio Caí, que passava por um processo de declínio já há algumas décadas, praticamente desapareceu, especialmente devido ao investimento em rodovias em detrimento do investimento em hidrovias.  A importância do rio ficou registrada no nome da cidade. São Sebastião do Caí traz a herança indígena em seu nome. “Caí” significa rio da mata, enquanto São Sebastião refere-se ao nome do padroeiro da cidade. O rio pertence à bacia hidrográfica do rio Caí e, de acordo com o Comitê de gerenciamento da bacia que leva o mesmo nome, abrange uma extensão de 264 km. Ele nasce em São Francisco de Paula, e suas 
                                                          
 1 Universidade FEEVALE. Mestrado em Processos e Manifestações Culturais. E-mail: janicerobertas@hotmail.com 


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águas deságuam na margem esquerda do Jacuí, onde se inicia o Guaíba. Pensando em desenvolver o trabalho por meio de um viés histórico e cultural baseado em representações, adentrou-se um caminho incerto, porém, instigante, que é o estudo de um poema, memórias e imagens que versassem sobre a cidade na sua relação com o rio Caí. De acordo com Pesavento (2002, p. 8), "a representação guia o mundo, através do efeito mágico da palavra e da imagem, que dão significado à realidade e pautam valores e condutas". Almeja-se, neste trabalho, descrever e interpretar as representações dos caienses na relação cidade/rio. Mediante este estudo, acredita-se ser possível alcançar representações pelo uso de diversas fontes de pesquisa, aliadas a uma metodologia de análise flexível, pautada na História Cultural. Foram realizadas entrevistas com o intuito de verificar quais as representações dos caienses acerca do rio Caí. Esta é uma pesquisa qualitativa e para a realização das entrevistas, seguiram-se as orientações de Thompson (1992) e Alberti (2008). Neste trabalho, foi feito o uso de entrevistas exploratórias e semiestruturadas, já que são poucos os registros escritos sobre a relação da cidade com o rio.  Os entrevistados são caienses acima de 68 anos de idade. Os critérios para a seleção dos entrevistados foram o conhecimento e/ou interesse sobre a história da cidade, a idade e a memória, que esteja apta a conceder entrevistas coerentes. Entre janeiro e novembro de 2013, foram entrevistadas oito pessoas, dentre as quais havia duas mulheres e seis homens. São eles: Sra. Marisa Selbach, Sr. Carlos Antônio Campani, Sra. Elisabeth Augusta Müller Oderich, Sr. José Alceu de Paula, Sr. Jacob Christiano Selbach, Sr. Cristiano Eraldo Oderich, Sr. Mario Glaeser e Sr. Renato Klein.  Ademais, fizemos uso de um poema escrito por Helena Cornelius Fortes (1975), em livro intitulado Reminiscências. Salientamos que o poema empregado neste trabalho refere-se ao período ao qual o estudo se propôs, isto é, do início da constituição da vila de São Sebastião do Caí, até meados do século XX. A obra foi escrita em homenagem ao centenário do município. Convém ressaltar que, para a escrita dos poemas do livro, a autora entrevistou idosos, que contribuíram com suas representações sobre os mais variados aspectos relacionados à cidade, o que faz seus poemas serem considerados como registros sobre aspectos históricos e culturais de São Sebastião do Caí sendo utilizados, na presente pesquisa, para a contextualização dos relatos orais. 


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A análise das fontes está pautada na História Cultural. Parte-se do princípio de que este estudo se insere no que Pesavento (2002, p. 8) chama de "história cultural do urbano e que se propõe a estudar a cidade através de suas representações". É na cidade que as pessoas vivem e convivem sendo, portanto, um lugar permeado por imaginários, representações e memórias, sejam estes ou estas individuais ou coletivas. Nesse sentido, Chartier (2002) propõe que as representações coletivas são como as matrizes de práticas que constroem o próprio mundo social. Portanto, foram adotados tais pressupostos para o desenvolvimento deste estudo. A metodologia da História Cultural é pautada no estudo das representações por meio de um olhar investigativo. Pesavento (2012, p. 65) enfatiza que o historiador deve "montar, combinar, compor, cruzar, revelar o detalhe, dar relevância ao secundário, eis o segredo de um método do qual a História se vale, para atingir os sentidos partilhados pelos homens de um outro tempo". Deve também se valer de vestígios diversos, isto é, fontes variadas para fazer o cruzamento e compor uma representação do passado. Na exposição da metodologia, a autora aponta também a descrição densa apropriada da Antropologia que vem a complementar o que já foi proposto. Esta descrição pressupõe a exploração intensa das fontes na busca de significados. Deste modo, investiu-se no cruzamento de diversas fontes para se obterem representações da relação cidade/rio e foram feitos os registros necessários. Encontraram-se, nas fontes pesquisadas, várias atividades como banhos no rio, natação, pescarias, regatas, almoços nos vapores e piqueniques, que serão apresentados na sequência. 

Piqueniques 

Além de os vapores levarem cargas, tinham estrutura como beliches para acomodar os passageiros e o restaurante, que, pelas considerações de alguns entrevistados, oferecia refeições muito boas. Em entrevista, o Sr. Carlos Antônio Campani destacou que “em domingos, quando os vapores estavam atracados aqui [...] o pessoal ia almoçar nos barcos e os alugavam para fazer piquenique, passeios, [...] quando eles não estavam a serviço em Porto Alegre”. Ele enfatizou ainda: “tanto é que 


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os melhores restaurantes que nós tínhamos na época eram em cima dos barcos”. Portanto, aos domingos, quando os vapores estavam atracados no porto, podiam ser alugados para passeios ou então ser o local para almoços dominicais. Nesse sentido Candau (2012) destaca que as memórias nos modelam e são modeladas por nós. Os entrevistados enfatizaram os aspectos positivos na relação com o rio. As representações em torno dos vapores eram extremamente positivas, comportando saborosos restaurantes e aconchegantes acomodações para as viagens. Convém lembrar também da seletividade da memória, a partir de Pollak (1992). Como a memória é seletiva, nem tudo é lembrado. Só alguns entrevistados lembraram as tragédias2 ocorridas com vapores no rio Caí. A seguir, veja-se um poema de Helena intitulado "Pique-niques (sic) de vapor" para se ter ideia da dimensão que tal atividade tinha neste contexto. 

De vapor, os pique-niques que o Clube Tesoura fazia proporcionavam aos sócios horas de grande alegria. 

Dois vapores carregados com as famílias inteiras desde o mais novo ao mais velho com suas roupas domingueiras. 

As moças e as meninas, de chapéu, cabelos em trança, sorrindo antegozavam do mato a grande festança. 

A rouca voz do apito de quando em vez assustava,  chamando algum retardado que de mole se atrasava.  

As sete horas em ponto os barcos desamarravam; em cada barco uma Banda que a tocar se revezavam. 

Cada qual mais apinhado de gente alegre a cantar   
                                                        
 2  Conforme Masson (1940), na história da navegação do rio Caí, houve duas catástrofes. No dia 9 de fevereiro de 1890, em Porto Alegre, explodiu a caldeira do vapor Maratá, destruindo completamente a embarcação que pertencia a Carlos Guilherme Schilling. E, em junho de 1923, pouco abaixo de Montenegro, sucedeu o mesmo com o vapor Horizonte, da companhia Kayser & Erig. 


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em direção ao Paquete3 onde tudo iria acampar. 

Com muito garbo seguiam os dois barcos sobre as águas levando a carga risonha  pra esquecer as suas mágoas. 

Encantados na paisagem, no esplendor da natureza, ramos verdes, musgo e flores reunindo toda a beleza. 

De cada lado os curiosos no barranco espreitavam não podendo tomar parte só em olhar se deliciavam. 

Ora num lado, ora noutro, o pessoal nunca parava, o barco pendia tanto que, aos gritos, quase afundava. 

O presidente do Clube era compadre e amigão do dono lá da Fazenda  que fazia boa recepção. 

Num grande mato copado as famílias acampavam; ao som das Bandas tocando, seus lanches desembrulhavam. 

A peonada da casa duas novilhas abatia,  a gorda carne em churrasco às famílias oferecia. 

Jogos, corridas e dança, e o fim da tarde chegava. Tristeza pra mocidade alivio pra mãe cansada. 

Apitos e mais apitos era hora de regressar. Corriam todos aflitos e a Banda ainda a tocar. 

E, então, mais do que nunca todo o vapor era pouco; os barcos iam subindo  e o peso era coisa de louco. 
                                                          
 3  Conforme o Sr. Renato Klein, os veleiros eram chamados de paquetes. E, devido ao naufrágio de um deles, a fazenda ali localizada recebeu a denominação de Paquete.  


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Todos, na mente, traziam do passeio as maravilhas, traziam, também, o peso das duas gordas novilhas. 

As Bandas já não tocavam, o seu repertório esgotara e as moças ainda cantavam recordando o que passara. 

De tantos jovens alegres restam hoje velhos tristonhos, vivendo só das saudades e revivendo seus sonhos. 

O poema dá voz a uma das práticas de lazer e sociabilidade de alguns caienses, os piqueniques. Essa prática, destacada por Fortes (1975), realizada aos domingos, “proporcionava... horas de grande alegria” às pessoas que, desde cedo se preparavam para o passeio. Roupas domingueiras eram vestidas e penteados nas moças eram feitos, junto com belos chapéus para aproveitar o passeio. A música e o canto embalavam a viagem. Os vapores seguiam levando os passageiros contentes que aproveitavam para esquecer os problemas. Nesse sentido, pode-se dizer que o vapor fluía, levando consigo desejos de um dia repleto de alegria, embalado ao som da banda que contagia. Além do passeio no vapor e da bela música, os passageiros podiam observar a natureza, encantados com as belezas naturais. Porém, é interessante lembrar os que deste lazer não podiam desfrutar, pois a estes só restava observar. Nos versos do poema em questão, a poetisa não esquece aqueles, que eram muitos, e que não tinham condições de desfrutar de um passeio destes. No lugar escolhido para o piquenique, geralmente se fazia churrasco, oferecido pelos anfitriões, regado a músicas que a banda continuava a tocar. Comes e bebes não faltavam. E ao final do dia, ao som do apito, os vapores seguiam ao seu local de origem. Outro aspecto interessante é o final do poema, extremamente nostálgico, que evidencia que ou a autora, ou os idosos entrevistados, tinham saudades do tempo em que realizavam tais passeios. Conforme Bosi (1994, p. 414), “o grupo é suporte da memória se nos identificamos com ele e fazemos nosso seu passado”. Portanto, 


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possivelmente o grupo no qual a poetisa estava inserida tinha esse sentimento de nostalgia em relação ao tempo em que realizavam os piqueniques. Os piqueniques a vapor representavam momentos de alegria para os que deles tinham condições de desfrutar. Por outro lado, possivelmente causavam tristeza numa considerável parcela dos moradores que não tinha condições de usufruir de tais passeios. Contudo, as cachoeiras localizadas à montante do rio, a partir do porto do Guimarães, eram amplamente utilizadas para banhos e realização de piqueniques. Para realizar estes passeios, não se precisava de vapores, podia-se ir até perto do local desejado inclusive a pé. Os piqueniques são representações de momentos coletivos vividos em torno do rio. Sejam aqueles em que os moradores eram conduzidos a vapor até o local desejado ou aqueles em que as pessoas se deslocavam a pé, com o auxílio de animais, ou posteriormente, com carros, até as cachoeiras para fazer seus piqueniques. Nesse sentido, retoma-se Catroga (2001), que destaca que a memória é social. As memórias dos piqueniques são memórias coletivas que exigem o testemunho do outro, ao mesmo tempo em que geram a coesão destes grupos. Sendo assim, estas memórias são materializadas transformando-se em representações positivas de momentos de lazer e sociabilidades em torno do rio Caí. 

Bloco de carnaval dos Marinheiros 

A cidade tinha, inclusive, um bloco de carnaval denominado "Os Marinheiros". Na sequência, a Figura 1 mostra uma fotografia deste bloco, datada de 1936. 



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Figura 1 – Imagem do vapor Salvador com o bloco "Os Marinheiros". 

Fonte: Acervo fotográfico de Carlos Antônio Campani. 

A partir da imagem, pode-se constatar que os participantes do bloco de carnaval “Os Marinheiros” encontravam-se uniformizados, posando para a foto, possivelmente se deslocando para algum baile na região. Todos aparentemente bem alegres. Ao fundo, é erguido um estandarte com uma âncora, símbolo do grupo. Evidencia-se portanto, a partir do nome do bloco e de seu símbolo, a forte ligação do mesmo ao rio Caí. Partindo da premissa de que a navegação no rio Caí era uma constante, a socialização e a criação de grupos com interesses em comum foi uma consequência. O bloco em questão é um exemplo e serve para reforçar o imaginário de que os vapores eram palco de desenvolvimento, não exclusivamente econômico, mas também cultural. O bloco de carnaval dos marinheiros era um deles e refletia aspectos prazerosos em relação aos vapores e às pessoas relacionadas, de alguma forma, a eles. O Sr. Carlos Antônio Campani conversou com um casal integrante do bloco, Sr. Mauro Selbach e Sra. Elaine Selbach, que ainda residem na cidade e conseguiu resgatar parte da marchinha de carnaval que era assim: 


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Remando a vida vai passando Sorrindo a vida vai caminhando No balanço das ondas No teu coração estou boiando No apito do Salvador Encontrei o meu amor. 

A partir da marchinha de carnaval, pode-se constatar a ligação do grupo com o curso d'água, pois utilizaram termos como remando, ondas, o apito do Salvador, enfim, termos associados ao rio, evidenciando sua ligação a este. A imagem, aliada à marchinha, e a lembrança de um dos entrevistados expressam, de certa forma, representações da cidade relacionada ao rio, pois evidencia essa ligação a partir da criação do próprio bloco. Retomando-se as ideias de Woodward (2000), a representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, e é por meio destes que damos sentido ao que somos, portanto, constituímos nossa identidade. Então, a criação do bloco "Os Marinheiros" expressa a ligação de um grupo de caienses com o rio, com os vapores, enfim, traz aspectos que reforçam a identidade do grupo. Legitima-se, portanto, um imaginário de que para determinado grupo existia muita diversão por sobre as águas. Através das águas fluíam os vapores, carregando as emoções, diversão e as famosas marchas de carnaval. 

Banhos no rio Caí, natação e pescarias 

Conforme os entrevistados, os banhos no rio Caí eram frequentes. De acordo com a Sra. Marisa Selbach, muitas pessoas banhavam-se no rio, de tardezinha ou nos fins de semana. Um lugar muito usado para banho era a prainha, também conhecida como manteiga. Marisa destacou “a manteiga é logo do lado do cais, onde eu sempre tomei banho. Aí tu não podias ir mais para cá, porque era fundo, então na manteiga todo mundo ia porque ali se podia tomar banho e atravessar o rio”.  Em relação aos banhos, o Sr. Cristiano Oderich afirmou que, na década de 1950, quase metade da população ia tomar banho no rio nos finais de tarde. Ele destaca que, 


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quando visitava sua avó, também tomava banho no rio, num lugar que se chamava manteiga. Em tom de brincadeira, explicou: “manteiga é ali ao lado do porto, eu acho que tinha esse nome, porque o lodo que tinha lá, aquilo ficava tão denso como se estivesse caminhando numa manteiga, daí eu acho que vem o nome manteiga”. O entrevistado enfatizou que, na época em que havia mais barcos, não se podia tomar banho em qualquer lugar por questão de segurança. Porém, convém lembrar que da vila em direção à montante do rio não era frequente a utilização da via para navegação, portanto, era apropriado para banhos, inclusive e, especialmente nas cachoeiras, como já apontado.  A Sra. Marisa Selbach destacou ainda: “ali no porto o pessoal fazia as peripécias, se atiravam, então e agora vamos ver quem vem... mas é porque ali se podia arriscar, e em outros lugares não”. A entrevistada enfatizou também que muitos nadavam com frequência no rio. Já o Sr. José Alceu de Paula afirmou que no verão o divertimento era o rio. Ele destacou: 

E no verão era o rio, nosso grande rio! Banho de tarde... nós saíamos daqui e subíamos, às vezes com oito caícos... uma gurizada, alguns mais idosos, mas todo mundo já nadava. Íamos lá para cima no rio, comíamos melancia, milho verde... Depois deixávamos o caíco vir sozinho. A gente ia até perto onde é o balneário da Harmonia e depois voltávamos de caíco. O nosso divertimento no verão era o rio todos os dias. 

Além dos banhos de rio, da natação e dos passeios de caíco, o entrevistado enfatizou outras atividades realizadas no rio como os mergulhos, onde competiam para ver quem conseguia ficar mais tempo embaixo d'água, as brincadeiras no rio com bola, ou sem bola, o sentar-se nas pedras que havia às margens, a brincadeira de bater as pedras para o outro escutar lá do outro lado, enfim, o rio era sinônimo de diversão nos verões. O Sr. Jacob Selbach lembrou quando vinha com seu pai, Sr. Heitor4, na época, secretário geral do prefeito, e pescava no rio junto com o amigo, filho do Dr. Orestes. Destacou que além de pescar, observavam os lambaris nadando, comiam frutas silvestres, como pitanga, quaresma... que havia na prainha. 
                                                          
 4  Sr. Heitor foi secretário geral do prefeito Dr. Lucas Orestes, depois foi três vezes vereador e duas vezes prefeito da cidade. 


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Retomando a questão da seletividade da memória, enfatiza-se que somente a Sra. Marisa Selbach destacou um afogamento no rio. Porém, vários entrevistados salientaram que atualmente não é mais possível tomar banho no rio Caí em função da poluição5. Entretanto, ainda assim sobressaem-se, portanto, as lembranças positivas em relação ao rio no que tange ao eixo lazer. Como se pode perceber, os banhos no rio tiveram mais destaque nas colocações dos entrevistados, contudo, a prática da natação e as pescarias também foram destacadas, dentre outras atividades relacionadas ao rio. Contudo, não se pode deixar de destacar o entusiasmo dos entrevistados ao relatar as lembranças de lazer e sociabilidades em relação ao rio. Porém, foi evidente também a tristeza estampada em seus olhares quando se referiam à atual situação do rio, ou seja, à poluição que hoje afeta o rio Caí. 

Clubes de Regatas na cidade  

A cidade contava também com um clube de regatas. Conforme informações obtidas a partir de Licht (1986), em oito de agosto de 1923, o Correio do Povo noticiou a fundação, em São Sebastião do Cahy6, do Grêmio Almirante Tamandaré, tendo como organizadores: Otto Gruber, Max Oderich, Edgar Mentz, Oswaldo Seidl e Pery Costa. Uma das iniciativas do clube foi a aquisição de um gig a quatro remos Toropy, do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré, de Porto Alegre. Porém, de acordo com o estudioso, o clube funcionou por poucos meses. Mais tarde, em dezessete de março de 1936, foi fundado o Praia Club – Grêmio de Natação e Regatas, que teve sua sede na Rua Tiradentes, número 205. Na presidência, ficou o Dr. Gabriel Obino e, na vice-presidência, o Dr. Herwig Krekel. A partir de então, o clube ganhou várias competições. A seguir, a Figura 2 apresenta uma fotografia do grupo que ganhou várias competições entre clubes na 
                                                          
 5  Conforme aponta pesquisa do IBGE (2010), o rio Caí é o oitavo rio mais poluído do Brasil. Fonte: http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2012/marco/dados-do-ids-destacam-os-10-rios-maispoluidos-do?tag=agua. 6  Acredita-se que o nome da cidade foi escrito dessa forma em função da grafia empregada na época. 


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cidade e inclusive em Porto Alegre. Os competidores são: Reinaldo Kayser - timoneiro, Atílio Rübenich, Mauro Selbach, Reno Jacobsen e Remo Rübenich. A foto foi tirada em 1936. 

Figura 2 – Competidores: Reinaldo Kaiser - timoneiro, Atílio Rübenich, Mauro Selbach, Reno Jacobsen e Remo Rübenich. 

Fonte: Acervo fotográfico de Carlos Antônio Campani obtido com Mauro Selbach. 

Vários entrevistados lembraram da existência da prática das regatas no rio Caí. O Sr. Cristiano Oderich destacou: “tinha os clubes de regatas... o meu pai fez parte do clube. Eles tinham dois ou três barcos de remo para as regatas, eu não sei onde eles foram parar, durante muitos anos eles estavam na carpintaria dos Selbach, lá na beira do rio”. Em entrevista, a Sra. Elisabeth Oderich ressaltou:  

Antigamente tinha as regatas. Ali onde tem um prédio, (presídio desativado) onde tinha o banco Pelotense, lá eram guardadas as regatas e depois lá no Mauro Selbach, perto do rio. Aquilo era muito bonito! Eles participaram de vários campeonatos em Porto Alegre e ganharam prêmios e tudo. [...] ali tinha muito divertimento e era um esporte muito prestigiado [...]. 


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A partir das lembranças da Sra. Elisabeth Oderich, pode-se enfatizar o prestígio com o qual o clube de regatas contava. Ela destaca: “Aquilo era muito bonito!”. Porém, infelizmente, de acordo com Licht (1986), em maio de 1941, o clube teve prejuízo total devido à catastrófica enchente ocorrida na cidade. A partir de então, não se tem mais informações sobre a continuidade ou não das atividades do clube. Entretanto, convém salientar que os entrevistados que destacaram a existência do clube de regatas enfatizaram a prática do esporte no rio e o prestígio que o grupo, apresentado na Figura 2, atingiu ganhando competições.  

Considerações finais 

 Retomando algumas ideias destacadas, convém salientar que a maioria dos entrevistados lembrou de aspectos positivos relacionados ao rio Caí. A exceção foi a lembrança de duas tragédias que ocorreram no rio, nas quais dois vapores explodiram. Outra memória, levantada com nostalgia foram os frequentes banhos no rio que hoje estão impossibilitados em função da poluição deste curso d'água.  Entretanto, a maior parte das lembranças relacionadas ao rio foi positiva e foram relatadas com muito entusiasmo como os piqueniques, por exemplo. Tanto os que os caienses eram conduzidos ao paquete com os vapores quanto os realizados nas cachoeiras, foram muito lembrados pelos entrevistados e poeticamente descritos por Fortes (1975) e podemos dizer que permeiam a memória coletiva dos moradores da cidade. Outras atividades como os banhos no rio Caí, a natação, as pescarias também foram destacadas pelos entrevistados. Bem como passeios de caíco e brincadeiras como bater as pedras para o outro escutar do outro lado, brincadeiras no rio com e sem bola e competições de mergulho para ver quem conseguia ficar mais tempo embaixo d'água.   Outras atividades que evidenciam a ligação dos caienses ao rio no que tange ao lazer e sociabilidades foi a criação do bloco de carnaval "Os Marinheiros" pois este bloco pode representar a importância não só econômica do rio mas como espaço de sociabilidades. Convém salientar também, os Clubes de Regata da cidade, apreciados 


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por muitos caienses e que rendeu prêmios a alguns competidores inclusive em Porto Alegre.  Portanto, por meio da pesquisa, foram identificadas diversas atividades evidenciando o caráter plural das atividades bem como o envolvimento de diferentes grupos, cada qual com suas preferências. Deste modo, pode-se perceber que o lazer relacionado ao rio tem aspectos coletivos, porém, diversos, isto é, as mais diversas representações apresentadas ora se relacionam a um grupo, ora a outro. Essa constatação vem ao encontro de um dos pressupostos de Bosi (1992) de que não existe uma cultura homogênea. Da mesma forma, não se pode dizer que uma única prática de lazer represente uma cidade. Assim, apesar de se trabalhar na busca de representações da cidade na sua relação com o rio buscando representações coletivas, tem-se consciência de seu caráter plural.  A pluralidade, constatada no lazer e nas sociabilidades dos caienses na sua relação com o rio, vem a fortalecer a ideia de que o rio Caí faz parte da memória coletiva dos caienses. E isso se deve não somente a importância econômica que tal curso d'água possuía mas também evidencia que a vida da cidade estava voltada para o rio, não exclusivamente na questão econômica mas também no lazer e sociabilidades dos caienses. 

REFERÊNCIAS 
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BOSI, Alfredo. Colônia, culto e cultura. In: BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Cia. das Letras, 1992, p. 11-63. 

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 484 p. 

CANDAU, Jöel. Memória e identidade. Tradução de Maria Leticia Ferreira. São Paulo: Contexto, 2012. 

CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy. (Org.). Fronteiras do Milênio. Porto Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, 2001, p. 43-69. 



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CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 2002. 

D ECO. Poluição dos rios. Disponível em: http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2012/marco/dados-do-ids-destacam-os-10rios-mais-poluidos-do?tag=agua. Acesso em: 18 nov. 2013. 

FORTES, Helena Cornelius. Reminiscências: 1875-1975. São Sebastião do Caí. 1975. 139 p. 

LICHT, Henrique. O remo através dos tempos. Porto Alegre: Corag,1986. 238 p. 

MASSON, Alceu. Caí (Monografia). São Sebastião do Caí: Tipografia Kusminsky e Ely, 1940. (Edição da Prefeitura Municipal de Caí). 

PESAVENTO, Sandra J. História & História Cultural. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. 130 p. 

PESAVENTO, Sandra J.  O imaginário da cidade. Visões literárias do urbano. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002. 400 p. 

POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 200-212.  

RIO GRANDE DO SUL. Relatório temático A1: diagnóstico da dinâmica social. 2007. Disponível em:  http://www.mediafire.com/download/f0qsrc5rg9ztz7p/PLANOCA%C3%8D-RTA1DIN%C3%82MICA+SOCIAL.pdf#!. Acesso em: 19 mai. 2012. 

THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz T.; HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença. A persperctiva dos estudos culturais. Trad. e org.: Thomaz Tadeu da Silva. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 7-72. 

Entrevistas 

CAMPANI, Carlos Antônio. Entrevistado em janeiro de 2013. 

GLAESER, Mario. Entrevistado em outubro de 2013. 

KLEIN, Renato. Entrevistado em novembro de 2013. 

ODERICH, Cristiano Eraldo. Entrevistado em junho de 2013. 



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