domingo, 8 de agosto de 2010

902 - O enterro que voltou


Para o padre Puhl, valia a regra de que todos são iguais perante Deus
Na foto, o padre Puhl, com Dom Cláudio Colling e Nestor Wasen

Por volta do ano de 1955 aconteceu a morte de Dona Zezé. Ela era viúva de João Bobo, um homem pobre e inculto, mas que chegou a ser bastante famoso no Caí pela sua habilidade em curar as pessoas através do uso de ervas medicinais. Depois da morte do marido, Dona Zezé continuou morando, sozinha, numa casinha muito humilde, situada pelos fundos da Padaria Princesa. Um local que, na época, era desabitado e ao qual era até difícil de chegar à noite. Naquela época praticamente todas as casas da Vila Rica situavam-se junto às três estradas que, hoje, correspondem à avenida Osvaldo Aranha, rua Estrada da Várzea e rua Omiro Ledur. O resto era ainda campo, mato ou roça.
Quando Dona Zezé morreu, não tinha parentes ou amigos que a velassem. Bernardo e seus colegas da padaria assumiram este dever de humanidade. Eles se revezaram no velório e providenciaram o enterro. Nos quais não apareceu ninguém. O que demonstrou certa ingratidão do povo, já que João Bobo havia acudido muita gente com as ervas que ele colhia no Morro das Freiras, nos fundos do hospital.
A prefeitura deu o caixão e os padeiros pagaram os Cr$ 5,00 que era o preço mínimo cobrado pela funerária para um enterro de pobre. Como a casa não tinha energia elétrica e nem mesmo um lampião, os padeiros também compraram um pacote de velas.
Pela manhã, Bernardo foi trabalhar na entrega do pão pelo centro da cidade e, quando voltava para a Vila Rica, viu o enterro passando pelo que é hoje a avenida Egydio Michaelsen. O caixão era levado pelo carro fúnebre dos pobres, cedido pela prefeitura: uma carreta comum, de quatro rodas, puxada por duas mulas. O encarregado desse serviço chamava-se Galdino, que tinha a ajuda de mais um homem. No cemitério, atuava ainda um coveiro pago pela prefeitura.
Bernardo percebeu que a carreta estava se dirigindo diretamente para o cemitério, sem passar pela igreja. Bom católico que é, não se conformou com a idéia de que Dona Zezé seria enterrada sem receber a assistência de um padre. Dirigiu-se, então, aos condutores da carreta fúnebre, perguntando:
- Vocês passaram na igreja?
Informado de que isso não havia sido feito, Bernardo pediu para eles esperarem e foi falar com o padre. Disse ao sacerdote que a velhinha ia ser enterrada como um cachorro.
O padre Puhl não titubeou:
- Traz ela aqui - disse ele - que ela vai ser enterrada como qualquer um.
Então a carreta voltou, encostou na frente da igreja e o caixão foi levado para dentro, onde o vigário fez a encomendação do corpo. Depois disso, o caixão foi levado ao cemitério e Dona Zezé foi enterrada.
Isto aconteceu num sábado pela manhã e, depois de haver cumprido o seu dever cristão, Bernardo continuou fazendo a entrega do pão.

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