domingo, 22 de agosto de 2010

948 - Trabalhando e aprendendo

Já bastante idoso na época, Jacó era surdo e temia ser enganado por outros capinadores que ele contratava para trabalhar nas roçadas. Mas no menino Bernardo ele confiava. Como ninguém usava relógio no trabalho da roça, a hora da largada na capina era baseada no apito da serraria de Acilo Peters, situada na localidade de Rio Branco, que soava às onze e meia da manhã. Naquela época, as indústrias utilizavam um apito para marcar a hora do início e do término do trabalho, como ficou celebrizado nestes versos da música Três apitos, de Noel Rosa: “Você que atende ao apito, de uma chaminé de barro, por que não atende ao grito, tão aflito, da buzina do meu carro?”. Hoje, com o barulho provocado principalmente pelo trânsito de veículos, o som do apito das fábricas já não é tão eficiente, pois nem sempre pode ser ouvido neste nosso ruidoso mundo atual. O mundo daquela época, quando rádios e automóveis eram raridades e televisão não existia, era muito mais silencioso. Por isso o apito da serraria do Rio Branco podia ser muito bem ouvido no alto do Chapadão. Menos pelo velho Kutel, devido à sua surdez. Alguns empregados valiam-se disso para enganar o patrão e largar mais cedo. Mas Bernardo não tinha preguiça e falava a verdade, avisando Jacó quando ouvia o apito. O patrão capinava junto com os empregados e, devido à idade, sentia mais o cansaço. Quando chegava perto das onze e meia, ele perguntava ao garoto: “Não tá na hora, Bernardo?” E o menino fazia com o dedo o sinal negativo, até a hora em que o apito realmente se manifestava.
Os alemães tinham muito orgulho da sua cultura e da sua capacidade de trabalho. Na observação de Bernardo, “o colono alemão tinha muito capricho e não reclamava do serviço”. Por outro lado, as pessoas de origem portuguesa criticavam os alemães pelos aspectos que consideravam negativos na sua cultura. Brincavam, por exemplo, dizendo que os alemães não brigavam com suas esposas no sábado, porque este era o único dia em que eles faziam sexo. Durante a semana só pensavam em trabalhar.
Os proprietários de roça do Chapadão (tanto alemães como lusos) gostavam do trabalho do menino Bernardo porque ele, além de ser sério e trabalhador, tinha uma qualidade a mais: falava muito, o que ajudava a tornar o trabalho da turma menos tedioso. Já naquela época ele era um bom contador de histórias.
A esposa de Jacó, Lídia Stroher Gutheil, preparava um reforçado café da manhã para os trabalhadores, que era servido antes deles começarem o desgastante trabalho de capina. Era um café com leite, pão caseiro ou da venda, salame ou linguiça, schmier ou mel. A maioria desses alimentos era produzida pela própria família e seus funcionários. Este, naquela época, era um café de rico. O café do pobre tinha pão seco ou, eventualmente, com melado ou schmier. Isto na colônia. Na cidade, o café do pobre era preto (sem leite). Na casa de Bernardo, apesar de ser família pobre, o café era um pouco melhor, pois era acompanhado de leite e não faltavam a schmier e a nata, além de bananas.
No interior, se comia principalmente aquilo que era produzido pela própria família. O que se comprava na venda (armazém) era açúcar, erva e café. Comprava-se também batata inglesa, considerada um luxo para o final de semana.

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