quarta-feira, 14 de maio de 2014

4014 - Crônica do professor Roque Mengato



Radicado no Caí há muitos anos, o professor Roque Mengato lecionou história nas escolas de ensino médio da cidade durante décadas. Com alguns livros editados, ele faleceu deixando muitos outros inéditos.
De um deles, extraímos essa crônica publicada no jornal Fato Novo em versão condensada:

Eu vi a minha mãe

Dedico essa crônica àquela santa criatura que me gerou e que , quatro anos depois, me deixou para sempre.
Hoje, passados sessenta e cinco anos, ainda lamento que me tenha deixado tão precocemente órfão. É incrível a falta que ela me fez, quando eu ainda ensaiava os primeiros passos da minha longa caminhada. Agora, observando filhos que não dão o mínimo valor às suas mães, me bate uma dor profunda.
Minha mãe. 
Tu sabes o quanto devo a ti. Em quatro anos, sentado em teus joelhos, aprendi a fé religiosa, a ter esperanças no futuro e outros princípios que me ajudaram a encontrar a trajetória correta da vida.
Tu bem sabes que a última vez que te vi não foi naquele início de tarde, caída e morta, deitada naquele tapete vermelho e, depois, no fundo de um negro caixão. Foi depois, naquela tarde de primavera e céu azulado, andando sobre as águas da sanga que banhava o nosso vale.
Depois nunca mais a vi. Mas sempre te senti ao meu lado, me sutentando e me erguendo nos amargos tropeços da vida. 
Certa vez, eu e mais oito amigos estávamos brincando. Acomodados numa casca de palmeira deslizávamos velozmente por um barranco, até a margem daquela mesma sanga.
Foi na primavera de 1947 e eu tinha sete anos. Cansado daquela brincadeira, eu estava retornando ao cume da colina, levando minha canoinha côncava debaixo do braço. Senti que uma força irresistível barrou meus passos e fez meus olhos se voltarem para a profundesa do vale. 
Então eu te vi, mãe! 
Tu estavas toda vestida de branco, com um longo rosário nas mãos. Vinha levitando por sobre as límpidas águas da sanga. Tu me vistes e eu também te vi. Tu me abençoastes com um um terno sorriso maternal e eu ri com extraordinária alegria.
Lancei-me, então, com o rosto no chão do gramado florido e chorei copiosamente. Chorei e gritei bem alto:
“Olhem lá, olhem lá. Bem por cima das copas das árvores... Vejam. Ela está lá. Vejam todos. É minha mãe, sim.”
O eco da minha voz retumbou na encosta das montanhas:
“Mãe, mãe, mãe.... lá, lá, lá.”
Meus coleguinhas me cercaram e alguns riram de mim, outros choraram comigo.  
Em seguida me conduziram para a casa do meu velho pai e de meus irmãos.
Esses não riram de mim e nem choraram. Apenas me afagaram com carinhos fraternais. Me olhavam pensativos imaginando que a minha vida não seria um mar de rosas. Mas, sendo eu o caçula, teria neles um escudo protetor."


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