sábado, 31 de outubro de 2009

560 - A colônia progride

Antes do rapto da família Versteg, ocorrido em 1868, a Colônia de Santa Maria da Soledade (que tinha sua sede na atual cidade de São Vendelino) conseguira manter-se livre de ataques dos bugres. Havia na colônia, inclusive, um canhão que era acionado de tempos em tempos para assustar os índios e mantê-los afastados. Por isto não houveram outros incidentes de ataque dos bugres, a não ser o tão propalado rapto. E depois deste acontecimento, que teve grande repercussão, foram tomadas sérias providências para acabar com a ameaça de novos ataques. Em 1870 uma comissão formada por colonos e liderada pelo felizense Johann Weissheimer conseguiu firmar um pacto com os índios pelo qual eles se afastaram para terras do norte do estado, deixando em paz os colonos do Vale do Caí.
O governo brasileiro dava grande importância à colonização alemã, pois esta estava trazendo muita prosperidade para o estado. E, graças a estas providências bem sucedidas, conseguiu impedir que o perigo representado pelos ataques dos índios viesse a determinar o fracasso da colonização. Assim, apesar das dificuldades, a colônia criada por Montravel foi sendo povoada. Em 1866, onze anos após a sua fundação, 330 famílias haviam se fixado na colônia. Elas totalizavam 1571 pessoas. Destas 945 eram nascidas na Alemanha, 389 no Brasil, 194 na Holanda, 34 na Suíça, 8 na Bélgica e 1 na França. Em 1860 já havia na colônia seis grandes armazéns, além de outros menores. E já havia, neste ano, um moinho movido a água em funcionamento e outro em construção. Em 1861 estavam estabelecidos na Colônia de Santa Maria da Soledade um ferreiro, um fabricante de cerveja, um charuteiro, um tecelão (provavelmente Felipe Keller), um seleiro, dois marceneiros, três alfaiates, quatro sapateiros, cinco pedreiros, um tanoeiro (fabricante de pipas e barris) e um funileiro. Em 1864 é construída a primeira capela, que os colonos dedicam a São Vendelino. Atribui-se a escolha deste nome ao fato de que alguns colonos vindos para São Vendelino provinham da cidade alemã de Sankt Wendel. O prédio serve também de escola para os filhos dos colonos.

559 - COISAS DA COLÔNIA - Alma do outro mundo

Monteiro Lobato escreveu que a supertição é filha do medo e da escuridão. Considerava que o progresso, levando a iluminação elétrica a uma maior parcela da população, faria desaparecer a superstição, juntamente com as trevas. Há muito de verdade nesta tese.
Antigamente, o povo do interior vivia envolto por trevas e superstições. Quem tinha de andar sozinho à noite, por estradas escuras, temia encontrar o Boi Tatá, um lobisomem ou a Mula sem Cabeça. Nas encruzilhadas, os viajantes temiam por assombrações. Nos locais em que uma cruz à beira da estrada indicava o ponto em que ocorrera a morte de uma pessoa, passavam com um nó na garganta, temendo pela aparição de uma alma do outro mundo.
Conta-se que, certa vez, dois caminhantes, passando a noite nas proximidades de um cemitério, ouviram uma voz que, lá de dentro, por trás do muro, repetia:
- Essa é minha, essa e tua; essa é minha, essa é tua; essa...
De quando em vez, uma outra voz era ouvida, dizendo coisas como:
- Epa, essa eu não quero fica pra ti e me dê aquela ali.
Na verdade, eram dois ladrões que repartiam entre si as laranjas que haviam roubado num pomar da vizinhança.
Mas os caminhantes, que da estrada ouviram aquelas vozes, faziam uma interpretação diferente do seu significado.
- É Deus e o Diabo repartindo as almas do cemitério - concluíram eles, aterrorizados.
E trataram de correr, a toda velocidade, para bem longe daquele local macabro.
Na primeira casa luz acesa, chegaram-se para descansar da corrida e buscando a sensação de segurança que lhes dava a companhia humana. À frente da casa, à luz do lampião, um sapateiro conversava com alguns amigos.
Os dois forasteiros contaram o que haviam escutado ao passar pelo cemitério e todos ficaram assustados.
- Será que está chegando o fim do mundo? - um deles perguntou.
- Virgem Santa Nossa Senhora! - exclamou outro.
Só quem não acreditou na história, foi o sapateiro.
- Isso aí é conversa fiada. Me admiro de vocês, acreditando numa história dessas - disse ele. E completou com uma estranha expressão que se usava naquela época:
- Não aperta, Aparício.
Um dos forasteiros indignou-se com o fato da sua palavra haver sido colocada em dúvida.
- Tu achas, então, que eu estou mentindo?
- Não se ofenda - respondeu o sapateiro. - Mas numa história dessas, eu só acredito vendo.
- Então vamos até lá - propôs o forasteiro, cheio de brios.
- Eu sou aleijado - disse o sapateiro. - Mas se vocês me carregarem, eu vou.
- Então vamos - disse o caminhantes ainda indignado pelo descrédito quanto à sua palavra.
O outro não quis saber:
- Vão vocês, se quiserem. Eu não volto lá nem amarrado.
E foram. Tendo o caminhante de carregaro o sapateior incrédulo.
Quando chegaram, os dois ladrões estavam mesmo terminando de contar as laranjas. Enquanto os dois, lá fora, aguçavam os ouvidos para ouvir as palavras que vinham de dentro do cemitério, um dos ladrões lembrou de duas laranjas que haviam rolado para a estrada por um buraco exitente no muro.
- Olha - falou o ladrão para o seu comparsa - aquelas duas que estão lá fora, tu pode ficar pra ti.
Ouvindo isso, o caminhante e o sapateiro puseram-se a correr feito loucos em direção à vila. E as pessoas que assistiram o caso juram, de pés juntos, que o sapateiro chegou na frente.



558 - Pioneiros da colônia de Nossa Senhora da Piedade

Entre os colonos que se estabeleceram na colônia encontravam-se vários ex-soldados brummer:.
Antonio Andrioly, natural da Suíça, era casado com a alemã Ernestina. O casal estabeleceu-se no lote 37, na segunda légua do distrito de Barcellos.
Frederico Braun ficou com o lote 25, na margem esquerda do arroio Forromeco.
Ernesto Germano Doebber foi professor primário em São Vendelino. No ano de 1865 ele contava com 12 alunos e 8 alunas. Foi também, nesta mesma época, pastor da comunidade evangélica local. Em 1866 a sua paróquia contava com 61 famílias no Forromeco, 24 em Linha Francesa, 37 em Santa Clara e 16 no Vale Suíço. Mesmo morando em São Vendelino, ele atendia famílias evangélicas de outras comunidades, como Caí e Conventos (no vale do rio Taquari). Mais tarde ele mudou-se para Conventos.
Carlos Gaertner, que foi segundo tenente de artilharia até pedir demissão do exército brasileiro em 1855, tornou-se agrimensor e foi diretor da Colônia de Santa Maria da Soledade na parte do Forromeco Superior e da Linha Francesa.
Frederico Otto Grunitzky, que já atuava como professor junto à comunidade católica de Bom Princípio no ano de 1863, tornou-se professor público na Colônia de Santa Maria da Soledade. A sua escola servia também como igreja e, aos domingos, Grunitzky “lia” a missa, já que naquela época ainda não existiam padres na região. Em 1870 o professor Grunitzky passou a atuar na Feliz. Mas permaneceu no magistério por pouco tempo. Tornou-se caixeiro viajante da firma Boehmer & Doerken, de Porto Alegre.
Ludovico Herpich ocupou o lote 73 do Distrito de Silveiro. Foi um dos fundadores da comunidade evangélica de Linha General Neto, em 1884.
Francisco Piangers foi colono do lote 62 da segunda légua do Distrito de Barcellos. Foi um dos primeiros a fixar-se na Colônia, já no ano de 1856. Mas não permaneceu. Anos depois ele encontrava-se radicado em Taquara do Mundo Novo (atual Igrejinha).
Henrique Tank, Gustavo Kobold e Daniel Hopp também são ex-brummer que se estabeleceram na antiga Colônia de Santa Maria da Soledade.

557 - COISAS DA COLÔNIA - Leite com melancia

Com relação aos alimentos, exixte na colônia uma série de crenças curiosas.
Faz mal comer o pêssego enquanto ainda está quente do sol. Também o pão e a cuca devem ser deixados a esfriar, quando tirados do forno. Comê-los ainda quentes pode dar dor de barriga.
Mas as crenças mais arraigadas são aquelas que dizem respeito à mistura de alimentos. Não se pode, por exemplo, comer uva misuturada com melancia. Ou seja, comer as duas frutas simultaneamente ou comer uma poucas horas depois de haver comido a outra. Empedra no estômago, dizem os crentes.
O leite é um alimento particularmente suspeito. Segundo se afirma, ele pode provocar "congestão" se for bebido juntamente com peixe, melancia, uva ou caqui. Para evitar esse tipo de problemas, a ingestão de tais alimentos deve ser feita com, pelo menos, três horas de diferença.
Fala-se que, certa vez, um colono entrou no ônibus e foi sentar-se ao lado de uma senhora que levava um nenê no colo. A certo ponto da viagem, a criança começou a chorar e a mulher abriu a blusa, expôs o seio e o deu ao chorãozinho para que ele mamasse. O colono ficou muito constrangido com a situação. Mas o pior foi que, como o nenê, não mamava e não parava de chorar, a mulher lhe falou, muito carinhosa:
- Vamos, filhinho. Toma logo o teu leitinho, senão a mamãe vai dar aqui pro titio.
O "titio", no caso, era o colono que estava todo vermelho, tamanho o seu embaraço e, tropeçando nas palavras, falou:
- Obrigado, Dona. Eu acabei de comer melancia.

556 - São Vendelino, há 140 anos

O jornalista britânico Michael G. Mulhall, que esteve no Rio Grande do Sul no ano de 1871, escreveu a respeito da colônia.
“Santa Maria da Soledade, como várias outras empresas deste tipo, foi ruinosa para seu fundador, o Conde Montravel, que obteve uma concessão do Legislativo da Província em 1855. Junto com alguns capitalistas de Porto Alegre, marcou os limites da nova colônia entre o Rio Caí e seu tributário, o Forromeco.
Os primeiros colonos chegaram da Europa em 1857. No começo o conde aceitava somente católicos, o que fez com que a colônia perdesse seu caráter alemão, tornando-se uma mescla de holandeses, suíços etc.
O conde era também muito pródigo nos seus gastos e, quando as dívidas dos colonos para com ele ficaram elevadas demais, viu-se arruinado e desistiu da empresa, assumida depois pelos outros acionistas com assistência do governo imperial.
A colônia agora prospera, tendo produzido no ano passado 83.000 alqueires (um alqueire equivale a aproximadamente 13 litros) de cereais, 240 quintais de tabaco (14.300 quilos) e uma grande quantidade de erva-mate, açúcar, linho e algodão. Há 7 moinhos, 4 igrejas e uma escola do Estado na colônia. O rebanho compreende 7.300 cabeças de gado, além de 7.224 porcos e 22.000 aves. A população é de 1.571 pessoas (330 famílias), das quais 2/3 são católicas; 3/4 desta população são alemães, sendo os restantes oriundos da Suíça ou dos Países Baixos.
A colônia fica a umas 40 milhas (64 km) a noroeste de São Leopoldo e a 20 milhas (32 km) ao norte de Porto Guimarães (São Sebastião do Caí), o local proposto para a estação de prolongamento da estrada de ferro de Novo Hamburgo.”
Chama a atenção o fato de que em 1870 Santa Maria da Soledade já contava com sete moinhos, quando se sabe que a próspera colônia de Santa Catarina de Feliz (hoje, Feliz) só veio a ter o seu primeiro moinho naquele mesmo ano. Os moinhos, movidos pela força da água corrente captada em riachos, servia par moer grãos alimentícios para a fabricação de farinha. Os colonos da época produziam principalmente a farinha de milho.
A área abrangida pela colônia era muito ampla e incluía as localidades hoje denominadas Linha Rodrigues da Rosa, Linha General Neto, Santa Clara, Santa Luiza, Santo Antônio do Forromeco, Morro Carrard, Vale Suíço e boa parte de Piedade e Linha Francesa. Embora não tenha sido previsto no projeto de colonização a criação de um centro urbano, aos poucos foi se formando (no Distrito de Barcellos) uma povoação que veio a ser chamada mais tarde de Sankt Wendel e hoje constitui a cidade de São Vendelino.

555 - COISAS DA COLÔNIA - Papel higiênico

No ano de 1981 publicamos, no jornal Momento, da cidade de Portão, esta crônica que procura captar os sentimentos (e a linguagem) do homem do interior. Um retrato que representa melhor o gaúcho de origem lusa, mas que também tem muito a ver com o homem riograndense da primeira metade do século XX, seja qual for a sua horigem étnica. Homens que nasceram em ambiente agrário e, na maturidade, viveram no meio urbano. O que aconteceu não apenas pelo êxodo rural, mas também pelo aumento da densidade demográfica, que transformou a periferia das cidades, que antes eram zona rural, em bairros populosos.

Modéstia a parte, eu não nasci na cidade. Nasci no campo e tenho orgulho disso, pois lá o gaúcho é gaúcho mesmo. Com o no fim. Um o minúsculo, mas resolvido.
Aqui na cidade, a coisa tá cada vez pior. Eu já vivo por aqui a anos e fico cada vez mais desiludido. Mas nunca tinha me acontecido de passar o vexame que passei hoje de manhã.
Imagina que eu fui cedinho no armazém porque precisava comprar papel higiênico. Não por mim, que não sou destas frescuras. Mas a minha mulher diz que as visitas fazem cara feia quando têm de se limpar com o Correio do Povo. Bobagem. Eu acho até bom, porque enquanto eu fico ali sentado, esperando, ainda posso ler alguma notícia que tinha ficado pra trás. Tem gente que fala que tinta de jornal faz mal pra saúde. Bobagem. Capaz que o pessoal da Caldas Júnior ia usar uma tinta perigosa. Eles sabem a responsabilidade que têm. Sabendo como o Correio é usado por todo este interior do Rio Grande, não iam usar uma tinta qualquer.
Mas, pra não desagradar as visitas, resolvi comprar o tal de papel higiênico. O armazém que tem aqui perto de casa é desses modernos. Desses que o caixeiro - muito do vadio! - fica só ali sentado no caixa e a gente é que tem que sair juntando as coisas. Tive de procurar um bocado. Mas, finalmente, achei. Não foi por menos que demorou. Os rolos estavam todos embrulhados dois a dois em plástico colorido. E eu, desse jeito, nunca tinha visto. Foi daí que eu me abaixei para pegar um pacote. Apanhei o primeiro e li a marca: Soft Touch. Larguei de lado. "Esse é para as damas", pensei. Conheço um pouquinho de inglês e deu pra entender que soft touch significa toque suave. Peguei outro pacote. A marca desse era Delicado. Peguei ainda um outro e lá estava escrito: 40 metros de suavidade.
A essa altura, eu quase me virei pro bodegueiro e gritei:
- Como é?! Não tem papel pra macho nesse bolicho?
Assim na linguagem dos pagos, pra manifestar a minha indignação de gaúcho.
Mas me contive. Eu sei que o homem não ia me entender. Todo mundo aqui na cidade anda agora com as idéias assim, meio virada. Esse mundo tá perdido mesmo. Não tem arrumação. No fim, pra não sair sem levar nada, eu peguei um pacote que me pareceu menos afrescalhado e fui até o balcão. Ainda fiquei encabulado quando mostrei o pacote pro homem ver o preço. Devia estar com a cara meio vermelha. Mas ele, com toda a naturalidade de quem faz aquelas coisas todos os dias, só me cobrou o que estava marcado sem mostrar nenhuma estranheza. Como se fosse normal um homem como eu, senhor dos meus bigodes, andar comprando um produto desses.
Senvergonhice, como já dizia o meu falecido avô, é coisa que acostuma.
E o pior foi que o bodegueiro não teve nem o pudor de embrulhar a coisa. Tive de sair na rua com o pacote escondido debaixo do braço, do jeito que dava.
Agora o papel está lá no banheiro, esperando alguém que aprecie a sua "suavidade". Tomara que o meu pai não apareça aqui, por esses dias. O pai é gaúcho buenacho, acostumado a varar cochilhas em lombo de cavalo, tropeando gado. O que ele não ia dizer se visse uma coisa dessas. Logo o velho, que sempre me contava o caso de quando ele, por falta de coisa melhor, teve de limpar com pé de urtiga. E não achou ruim.
Se ele visse aquela coisa no banheiro, era capaz de chorar de desgosto. Não foi pra isso que ele me deu educação.
Eu, em todo caso, não vou usar a novidade. O papel está lá no banheiro. Quem quiser que use. Mas, ali do lado, em cima do banquinho de lavar os pés, eu deixei o Correio. Daqueles de domingo, pra durar a semana inteira. Ele fica ali, pra ser usado por quem é homem e ainda não perdeu a vergonha na cara.



554 - À beira da falência

No início da década de 1870 colônia Nossa Senhora da Soledade (atual São Vendelino) dava visíveis sinais de prosperidade. Mas a empresa colonizadora enfrentava sérias dificuldades financeiras. Para livrar-se da falência, Montravel e seus sócios fazem um acerto com o governo imperial devolvendo as terras da colônia, em troca de uma indenização de 309.289 réis. Isto aconteceu em 1873 e, a partir daí, o governo assumiu a administração da colônia. O que não foi muito bom de início.
Mas, no ano seguinte a administração foi entregue a Eugênio Carrard, que se mostra competente na administração e consegue fazer a colônia prosperar. Com isto, em 18 de janeiro de 1877 foi extinta a colônia, passando a região a ser regida pela legislação comum. São Vendelino, a povoação que foi se formando aos poucos e tornando-se sede da antiga colônia, tornou-se sede de um distrito pertencente ao município de São João de Montenegro, criado no ano de 1873. Com isto, a população local passava a ser subordinada às leis comuns a todo o império. Não mais à legislação especial que determinava certas condutas específicas para as colônias, como a que proibia que os colonos possuíssem escravos. Com a extinção da colônia, o governo considerava que a população local já tinha condições de conduzir o seu destino, dispensando o apoio especial do governo.
As terras situadas do lado direito do arroio Forromeco passaram a pertencer ao município de Montenegro. O lado esquerdo do arroio pertencia ao município de São Leopoldo. Em 1875, com a emancipação de São Sebastião do Caí (emancipado de São Leopoldo) as terras do lado esquerdo do arroio passaram a pertencer a este novo município. Em 14 de maio de 1877 São Vendelino foi elevado à categoria de freguesia, sendo oficializado este nome como denominação do local.. Com isto, a povoação passava a ter seus próprios livros de batizados, casamentos e sepultamentos. Naquela época não existiam cartórios de registros e os papéis da igreja eram os que valiam.
Mas em 10 de maio de 1879 a São Vendelino foi rebaixada à condição de capela curada, ficando subordinada a Bom Princípio, que foi elevada à condição de freguesia. Perdeu, portanto, a sua condição de sede da freguesia, passando esta a funcionar na capela de Bom Princípio.
Em 1883, no dia 29 de dezembro, foi criada novamente a freguesia de São Vendelino, desmembrada da de Bom Princípio. Mas os problemas continuaram, pois em 1885 o bispo Dom Sebastião Laranjeira nomeou um padre italiano, Bartolomeu Tiecher, como pároco local. O padre não sabia falar o alemão e acabou se desentendendo com a comunidade vendelinense. Assim, por um bom tempo, São Vendelino ficou sem o atendimento de um padre residente na vila. Somente em 1933, o problema foi solucionado, com a vinda do padre João Vilibaldo Schmitz.

553 - COISAS DA COLÔNIA - O pirão

A farinha de mandioca foi, até meados do século XX, um dos produtos mais importantes da economia regional. Por todo o interior, eram muito comuns as atafonas, pequenas oficinas nas quais a mandioca era processada, produzindo-se a farinha, o polvilho e o biju. Este último um doce muito gostoso.
O polvilho era (e ainda é) utilizado para fazer roscas, broas e - até mesmo - para preparar a goma com que se engomavam as roupas. A farinha de mandioca é um alimento que vai bem no feijão, acompanhando um churrasco de carne gorda e na forma de farofa. Ou seja, frita na gordura.
Antigamente, quando os meninos tinham o péssimo costume de caçar passarinho com fundas, suas mães preparavam as aves (geralmente pequenas) com farofa, para fazer o prato render e ficar mais gostoso.
E é com a farinha de mandioca que se fazia, também, o pirão. Alimento que foi, na infância, a base da alimentação de muita gente que ainda vive por aí.
Pirão é a mistura de farinha de mandioca com água. O que, segundo dizem, pode ser bem gostoso se for feito, por exemplo, com a água sobrada da fervura da linguiça.
Contam que, antigamente, havia um homem muito brabo, cujo apelido era Pirão. Mas, na sua frente, ninguém podia tratá-lo pelo apelido. O homem virava bicho e, no mínimo, o que acontecia era o insolente levar um corridão.
Um dia dois espertinhos se combinaram:
- Vamos chamar o Pirão pelo apelido, sem que ele possa ficar brabo.
Chegaram os dois até perto do homem e um deles falou:
- Farinha.
E o outro completou:
- Água.
O valentão puxou o facão da cintura e gritou para os gaiatos:
- Mistura, se vocês são bem home.

552 - Expedição de resgate para as vítimas do bugre

Na nascente colônia de São Vendelino, no ano de 1868, aconteceu o rapto, pelos índios, da esposa e dos filhos do colono Lamberto Versteg. Este colono, que viera há pouco tempo da Europa, havia saído de casa para visitar um amigo e, ao voltar, deparou-se com a tragédia. Sua casa destruída, a mulher Valfrida e os filhos desaparecidos.
Chocado pela ruína que encontra no lugar do seu lar e pressentindo a desgraça que se abatera sobre os seus, ele desaba. Desmaiado, tomba do seu cavalo. Voltando a si do desmaio e do desvairio inicial, Lamberto faz um levantamento da destruição e vê, pelo chão, as pegadas de muitos pés descalços. Ele, então, grita chamando pela mulher e os filhos, na esperança de que eles tenham conseguido fugir, escondendo-se no mato. Mas não ouve resposta alguma. Lamberto percorre a mata ao redor da casa procurando pela família e nada. Vai então até a casa dos vizinhos mais próximos, a família de João Boesing, mas também lá seus familiares não estão.
Logo o alarme se espalha por São Vendelino. O povo da colônia fica sabendo rapidamente que os bugres atacaram a morada de Lamberto Versteg e roubaram-lhe a mulher e os filhos. Ao toque do sino da capela, o povo se reúne e se inteira dos fatos.
Foi organizado um grupo de voluntários que se prontificou a sair no encalço dos índios assaltantes, na tentativa de resgatar a mulher e as crianças por eles raptadas. A expedição partiu de São Vendelino no dia 15 de janeiro de 1868. Chamou a atenção de todos, no início da jornada, o estado de ânimo de Lamberto Versteg. Cabisbaixo, abatido pela desgraça que caíra sobre sua família, ele não parecia mais o mesmo homem de porte altivo que era antes.
Eram os seguintes os integrantes da pequena tropa:
João Felipe Scheid, Antônio Grossmann, João Beckembach, Nicolau Neis, Jacó Weirich, Henrique Esswein, Antônio Ludwig, Nicolau Lermen, Tomás Postai, João Lotermann, Matias Hendges, Xavier Boeni, Frederico Gossenheimer, Jacó Mueller, Pedro Krein, Simão Backendorf, Matias Nauls, Nicolau Binsfeld, João Ramler, Matias Scherer, Jacó Schmitt, Adão Petry, Matias Rodrigues da Fonseca, Augusto Froem, Lamberto Versteg e João Boesing. Ao todo, 26 homens.

551 - COISAS DA COLÔNIA - Nichts brasilianich

A imigração alemã no Rio Grande do Sul foi um empreendimento organizado pelo governo imperial do Brasil. E visava a diversas finalidades. Entre outras, a de ocupar os territórios ainda desabitados que existiam no Rio Grande do Sul, que eram disputados pelos castelhanos. Outro, não muito explícito, era o de branquear a população brasileira, já que o grande contingente de escravos vindos da África tendia a tornar-se a maioria do povo brasileiro.
Outro motivo era o de proporcionar ao país um novo contingente de mão de obra livre e qualificada, para substituir a mão de obra escrava. Importar escravos africanos estava se tornando cada vez mais difícil, devido ao repúdio internacional à prática da escravidão.
Já naquela época (a década de 1820, quando o Brasil se tornou independente), a escravidão era condenada pelos países mais avançados da Europa e o fato de continuar com a escravidão era motivo de vergonha para o império brasileiro.
No início do século XIX, a presença de negros no Rio Grande do Sul era marcante. Em 1819, cinco anos antes de iniciar-se a imigração alemã, viviam aqui 26.010 negros e 32.000 brancos. Nas colônias alemãs instaladas nos vales dos rios dos Sinos e Caí os colonos estavam proibidos, pelas leis da província, de empregar mão de obra escrava. Afinal, se fora para acabar com a escravidão que os imigrantes haviam sido chamados para o Brasil, seria contraditório que essa aberração social persistisse entre eles. Em virtude disso, o número de negros nas áreas mais caracteristicamente coloniais do estado é reduzidíssimo, até mesmo nos dias atuais.
Lá pelo início do século XX, o comerciante Jacob Klein, que morava no Pareci Velho, resolveu visitar alguns parentes em Poço das Antas. Foi a cavalo, trilhando as estradas precárias, caminhos e picadas existentes na época. Nas proximidades do Morro Paris, no interior de Montenegro (hoje interior de Brochier), ele ficou em dúvida numa encruzilhada e resolveu pedir informações a um homem negro que passava pelo local. Mas, Jacob tinha uma certa dificuldade em falar o português, já que foi criado, desde a infância, no meio dos alemães. Quando se dirigiu ao homem, ele teve de fazer um esforço e, falando vagarosamente, escolhendo as palavras:
- Por favor - disse ele. - É esse o caminho para o Poço das Antas?
Ao que o negro, fazendo um gesto de escusas, respondeu:
- Ich verstebe nichts brasilianich (Eu não entendo nada de brasileiro).
Os poucos negros que vieram para a colônia alemã, tiveram de assimilar a cultura e língua predominante na região e, muitos deles, tal como os colonos, tinham o alemão como sua língua de uso principal. Do português, conheciam muito pouco.
Conta-se, também, a história de um político da nossa região que, sabendo falar muito bem o alemão, tirava proveito desta qualidade quando visitava os colonos para pedir-lhes voto. Chegando, certa vez, a uma casa de colonos, viu no pátio um menino negro.
- Bom dia - falou o visitante.
O negrinho respondeu apenas com um aceno de cabeça.
- O patrão está em casa? - perguntou então o homem.
O negrinho limitou-se a virar a cabeça para o lado da casa e chamou:
- Komm hea, Hear Weber. Do ist ein bloa do un te will mit dir aspreechen (Vem cá, seu Weber. Tem um brasileiro aqui e ele quer falar com o senhor).

550 - A volta de Jacó Versteg

Matias Rodrigues da Fonseca, que sabia falar alemão e tinha o hábito de embrenhar-se na mata fazendo caçadas, foi escolhido pelos membros da expedição para ser o chefe da mesma. Fato que demonstra o quanto ele era respeitado pelos colonos de Santa Maria da Soledade.
Tanto esta quanto outra expedição organizada para resgatar Valfrida, Jacó e Lucila foram mal sucedidas. Era difícil para os colonos enfrentar as agruras da selva e mais difícil ainda confrontar-se com os índios no ambiente que eles conheciam muito melhor. Além disto, a extensão das terras desabitadas que eram percorridas pelos índios na sua existência nômade tornava quase impossível a sua localização. Na segunda expedição de busca, patrocinada pelo governo, Luis Bugre ofereceu-se para participar e foi aceito devido aos seus conhecimentos da floresta e da tribo dos índios raptores. Mas tudo indica que ele procurou, ardilosamente, impedir o sucesso dos expedicionários.
Passaram-se os anos e os colonos nada souberam quanto ao destino da mãe e seus filhos. Nove anos mais tarde, Jacó Versteg apareceu de volta à civilização. Ele havia vivido com a tribo, levando uma vida de selvagem. Até que, já um rapaz adulto, com seus 23 anos, conseguiu fugir. Dirigiu-se para São Leopoldo, onde teve a sorte de encontrar seu pai. Assim Lamberto soube que tanto a esposa como a filha haviam sido mortas pelos índios.
Jacó Versteg narrou sua história pormenorizadamente para o monsenhor Matias Gansweidt, que a narrou no livro As Vítimas do Bugre. Um rico relato sobre as desventuras dos três raptados e sobre as características da floresta e dos seus primitivos habitantes.

549 - COISAS DA COLÔNIA - Escravos

No século XIX ocorreu um forte movimento mundial com o objetivo de acabar com a escravidão, que maculava a civilização cristã ocidental. Aos poucos, foram sendo alcançados alguns progressos. Em 1807, a Inglaterra proibiu o tráfico de escravos para as suas colônias. Em 1845, a Lei Aberdeen autorizou a frota inglesa a apreender as embarcações negreiras que se destinavam ao Brasil.
Por aqui, os intelectuais faziam, desde cedo, a propaganda abolicionista. Em 1849, o escritor Caldre Fião (que depois radicou-se em São Leopoldo) fundou no Rio de Janeiro um semanário abolicionista que passou a ser o porta-voz da Sociedade Contra o Tráfico de Africanos, Protetora da Colonização e da Civilização dos Indígenas.
Vê-se por aí como a imigração de colonos alemães teve, entre as causas que a motivaram, a necessidade de encontrar alternativas para o trabalho escravo. O colono germânico vinha para cá substituir o negro africano, cuja "importação" ia se tornando cada vez mais difícil. Tanto isso é verdade, que as leis da, então, Província de São Pedro do Rio Grande do Sul proibiam a posse de escravos pelos colonos.
Anos antes da libertação dos escravos, através da Lei Áurea (1888), algumas cidades, como São Leopoldo e São Sebastião do Caí, já haviam conseguido, por meio de campanhas populares, libertar todos os seus escravos. Era motivo de orgulho para a cidade, naquela época, poder afirmar que não havia nela mais nenhum escravo, que nela todos homens eram taoiguais e livres.
São Leopoldo custou a atingir este status porque, apesar de todos os esforços feitos, restava ainda um escravo na cidade, chamado Fortunato. Seu dono não se dispunha a libertá-lo (alforriá-lo). Mobilizaram-se, então, os sócios da Sociedade Ginástica e realizaram um espetáculo no circo Querino, que encontrava-se na cidade, destinando-se a sua renda à compra da liberdade de Fortunato.
O proprietário deste último escravo leopoldense, segundo pesquisas realizadas pelo historiador Germano Moehlecke, foi um descendente de alemães chamado Nicolau Stumpf.
É um pouco estranho que, sendo pribido aos imigrantes comprar escravos, um homem como esse Stumpf fosse o dono de Fortunato. Talvez o fato se explique pelo fato desse colono haver nascido no Brasil e ser, portanto, um cidadão brasileiro com os mesmos direitos de qualquer outro. Ou então pelo fato de que já naquela época as leis não eram muito obedecidas neste país.
O certo é que a presença de escravos nas propriedades de colonos alemães, embora tenha ocorrido, foi muito rara. E isso foi muito bom. Na opinião de historiadores, como Joseph Hörmeyer, a escravidão traz muitos males consigo. Onde há escravos, obrigados a trabalhar, os livres se esquivam do trabalho, a fim de não serem tidos como escravos.
São poucos os casos referentes à presença de negros entre os colonos, mas há o seguinte:
Conta-se que, lá pelo início do século XX, um negro foi criado por uma família de colonos e aprendeu a falar apenas a língua alemã. Quando rapaz, ele convivia com os jovens de origem alemã num razoável grau de integração. Era bastante respeitado, até porque era um moço muito forte.
Acontece que havia conflito, então, entre os jovens de ascendência germânica e os descendentes de portugueses. Nos bailes, ou memo na rua, não era raro ocorrer brigas entre as duas facções. E os alemães contavam com o seu robusto amigo negro como um importante trunfo nas batalhas. Conta-se que ele, muito compenetrado do seu papel, costumava proclamar o lema do grupo: Mea deltche buwe misse camma halle (Nós, os jovens alemães, precisamos ficar unidos).

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

548 - Doutor Gama

O doutor Gama, assim como o doutor Paulo Caye (à esquerda), destaca-se há décadas como um dos mais importantes médicos da região

O doutor Ravardiere Gama formou-se em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vindo a trabalhar como clínico em São Sebastião do Caí em abril de 1970. Recebeu logo uma excelente acolhida do doutor Bruno Cassel, médico muito humanitário pelo qual passou a sentir grande estima e admiração.
No ano de 1973, após terminar o seu curso de especialização em Psiquiatria no Hospital São Pedro, de Porto Alegre, ele pensava em ir embora do Caí. Mas mudou de idéia devido à perspectiva de poder concretizar a implantação de uma unidade psiquiátrica no Hospital Sagrada Família e aos estímulos que recebeu para permanecer na cidade. E assim foi criada, em 1974, a Unidade Psiquiátrica.
Foi destinada para isto uma ala do prédio do Hospital Sagrada Família, com 800 metros quadrados. A doutora Maria Conceição, juntamente com a Irmã Leocádia, se puseram a trabalhar nas reformas necessárias para adequá-las às normas exigidas pelo Ministério da Saúde. Elas usavam uma fita métrica de costureira para fazer as medições nas paredes do prédio. Mas, com o tempo, todas as dificuldades foram vencidas até que a Unidade Psiquiátrica do Hospital Sagrada Família chegasse às excelentes condições que apresenta atualmente.

547 - COISAS DA COLÔNIA - A mula

Apesar da grande dificuldade que apresentava a vida para os antigos - no tempo em que ainda não havia sido inventado o motor a explosão ou descobertos os vermífugos, a penicilina e a energia elétrica - apesar de tudo, muita gente considera que a vida de antigamente melhor que a de hoje. Um que pensa assim é o meu tio Pedro.
Certa vez meu pai lhe contava um caso acontecido há muitos anos com uma mula do meu avô. Naquele tempo, antes do surgimento do automóvel na região, a mula era o meio de transporte mais adequado para as viagens longas, devido à sua grande resistência. Era comum se ver, nas estradas de então, passar um caixeiro-viajante montado numa mula e trazendo mais um ou duas no cabresto, ou seja, presas por uma corda à primeira.
Meu avô (o comerciante Jacob Klein de Costa do Cadeia) tinha uma mula tostada que, um dia, emprestou ao seu vizinho Henrique Horn para uma viagem até Lajeado. Moravam ambos no Pareci Velho, o que representava, em relação a Lajeado, a distância de uns 70 quilômetros. Seu Henrique fez a viagem sem problemas, mas ao chegar naquela distante cidade, descuidou-se à noite ao prender o animal fugiu.
No outro dia, a mula apareceu sozinha na casa de meu avô. Ela havia percorrido aquela distância toda sem se perder e cruzando a nado o rio Caí. Conseguiu, assim, chegar de volta à sua casa.
Quando meu pai terminou de contar o caso, tio Pedro refletiu um pouco e ponderou com aquele seu ar grave de sempre:
- Se fosse um automóvel, não fazia isso.

546 - Vanguarda mundial

A importância do trabalho desenvolvido pelo doutor Gama fez com que ele se tornasse uma pessoa extremamente conhecida e até famosa na região do Vale do Caí. A ponto de se tornar um costume popular dizer, brincando, para alguém que apresenta um comportamento um tanto estranho para esta pessoa tomar cuidado, "se não tu vai parar no Gama”.
Lembrando a história da Unidade Psiquiátrica, o doutor Gama lembra com carinho a Irmã Emiliana, já falecida; a Irmã Leocádia Braun, que colaborou muito para a criação e, principalmente, para a manutenção da unidade. O que foi difícil no início, dada a incompreensão que havia em torno da nova proposta de atendimento que a Unidade Psiquiátrica criada pelo doutor Gama.
VANGUARDA MUNDIAL
Era uma proposta inovadora até mesmo em nível mundial. Foi em 1973, um ano antes da fundação da Unidade Psiquiátrica do Hospital Sagrada Família, que o doutor Franco Bassaglia deu início - em Gorizzia, no norte da Itália - à Reforma Psiquiátrica Italiana que deu origem ao grande movimento da Reforma Psiquiátrica Mundial. O doutor Bassaglia foi o primeiro a internar pacientes em enfermarias de hospitais gerais, seguindo a mesma idéia revolucionária que o doutor Gama já idealizava. É interessante notar como um mesmo sonho floresce na mente de pessoas ousadas em diferentes partes do mundo. Assim, na Itália e no Brasil, médicos idealistas e corajosos levaram adiante uma nova forma - mais generosa e mais eficiente - de tratar os doentes psiquiátricos.
Em congressos internacionais de psiquiatria, causa espanto e admiração o fato de que no sul do Brasil já havia uma unidade psiquiátrica, desde 1974, operando com métodos tão avançados.

545 - COISAS DA COLÔNIA - Schwartz

Se hoje se pode dizer que os descendentes de imigrantes alemães vive, no Rio Grande do Sul, em quase perfeita harmonia com os brasileiros de origem lusa, é preciso reconhecer que nem sempre foi assim. Até a primeira metade do século XX havia, por toda colônia, uma forte discriminação racial que chegou a motivar muitos conflitos e não poucas mortes. O povo de origem alemã discriminava os brasileiros de origem lusa chamando-os de bloa (palavra alemã que significa azul e que pronuncia-se como plôa) e considerando-os gente inferior. Os pais não admitiam o namoro de uma filha com um bloa. Os brasileiros lusos, por sua vez, ofendiam os colonos chamando-os de "alemão batata". Debochavam da forma arrevezada como os colonos falavam o português.
Do lado germânico, contribuiu para que houvesse a discriminação o fato da Alemanha viver (no fim do século XIX e início do século XX) uma fase de apogeu. Ela brilhava e iluminava o mundo com suas conquistas nos campos das artes e ciências, bem como causava inveja e temores pela força da sua economia e exército. O imigrante alemão no Brasil sentia grande afinidade com a sua terra de origem e compartilhava do imenso orgulho de ser alemão. Uma raça que muitos colonos acreditavam ser superior a qualquer outra.
Ao contrário do luso-brasileiro, que sabia existir no seu sangue a herança de negros e índios, o alemão, recém vindo da Europa, tinha confiança de ser puramente branco. E sentia orgulho disso, considerando que este era um privilégio a ser conservado.
Conta-se que, por meados do século XIX, um alemão imigrante, chegando a São Leopoldo, logo que veio da Alemanha, encontrou no porto um negro sorridente que o saudou em alemão:
- Guten morgen, Landsmann (Bom dia, compatriota).
O recém chegado estranhou muito encontrar um negro que falasse o seu idioma e manifestou a ele este sentimento. Diante disso, o negro comentou:
- Warte mal bis du so lange zeit in Brasilien bist wie ich, dann wirst du auch so schwartz sein.
Ou seja:
- Espera até você ficar no Brasil tanto tempo como eu. Daí você também vai ficar assim preto.

544 - A grande obra do doutor Gama

O doutor Gama criou, no hospital Sagrada Família, um estabelecimento inovador no tratamento de casos psiquiátricos

A Unidade Psiquiátrica do Hospital Sagrada Família foi inaugurada no final de novembro de 1974, com a novidade de funcionar dentro de um hospital geral. Ou seja, um hospital comum, que trata de todo tipo de doença, não apenas as mentais.
Para a época, tratava-se de uma grande inovação. Tanto que esta foi a primeira unidade deste tipo criada no Rio Grande do Sul e uma das primeiras do país.
Naquele tempo, um grupo de pessoas decidiu acreditar no sonho de um jovem médico, aceitar a sua proposta e tocar adiante um projeto que - para a época - era extremamente ousado.
O grupo era liderado por Antônio Kaspary, presidente da Sociedade União Popular, pelo doutor Bruno Cassel, então prefeito municipal, e pela irmã Maria Justina Schneider, diretora administrativa do hospital.
A criação da Unidade Psiquiátrica tornou possível proporcionar um tratamento mais digno e humano às pessoas portadoras de transtornos psiquiátricos. Evitou-se assim que os pacientes do Caí e da região tivessem de ser removidos para centros maiores, onde ficariam distantes de suas famílias. Nestes locais, certamente, os problemas emocionais destas pessoas seriam agravados, ao invés de resolvidos. Ocorriam, na época, casos como os dos pacientes que só sabiam falar alemão e, nos hospitais da capital, não encontravam profissionais capazes de se comunicar com eles. Imagine-se o desespero de um pessoa assim. Já perturbada, é levada para um lugar desconhecido no qual ninguém sabe falar a sua língua.
A INSPIRAÇÃO
O doutor Ravardiere Gama foi o jovem médico que teve a inspiração de criar esta unidade e - depois de haver participado da cerimônia de beatificação de Madre Regina, no ano de 1999 - ele teve a percepção de que foi esta madre que lhe deu tal inspiração.
A Madre Regina Protman viveu há cerca de 500 anos, numa cidade alemã chamada Braunsberg, hoje pertencente à Polônia. Ela foi uma brava e dedicada mulher que se afastou do conforto e da segurança oferecidos pela sua família para viver uma vida de extrema pobreza, dedicando-se ao tratamento de doentes epilépticos e psiquiátricos.
VENCENDO TABUS
O doutor Gama conta que teve de vencer muitas resistências para implantar o projeto que havia idealizado. Havia, na época, muita resistência e muitos tabus com relação aos portadores de doenças psiquiátricas. A concepção da época era a de que os doentes psiquiátricos deviam ficar reclusos e distantes da convivência social e familiar. Uma situação que levava, quase inevitavelmente, ao agravamento dos problemas dos pacientes. Para muitas destas pessoas, ser levado para o hospício significava algo semelhante a uma condenação à prisão perpétua.
E a idéia de criação da Unidade Psiquiátrica vinculada ao Hospital Sagrada Família foi - de fato - uma “santa inspiração”. Foi uma idéia que deu certo, pois ela hoje está sendo copiada em outras cidades do Rio Grande do Sul e até mesmo em outros estados brasileiros.
No ano de 1999 a Unidade Psiquiátrica do Hospital Sagrada Família foi totalmente reformada, tornando suas instalações mais agradáveis, dando melhores condições para atender até 30 pacientes do SUS, convênios e particulares.

543 - Não é de hoje

Em meados da década de 30, o rádio começava a chegar à zona colonial.
A Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, e depois a Rádio Farroupilha, eram captados pelos primeiros receptores e galenas instalados no interior.
A existência de um número bem menor de estações possibilitava a fácil recepção de emissoras do Rio e de São Paulo, já que não havia muita interferência de outras emissoras. As rádios Nacional e Tupi eram as mais ouvidas, mas na região colonial as emissoras estrangeiras também tinham muita audiência. Inclusive as alemãs que, à época, traziam até a nossa colônia intensa propaganda nazista. Quando o Brasil entrou na guerra contra a Alemanha, muitos receptores foram apreendidos nas casas dos colonos, sendo esses acusados de estar ouvindo propaganda do inimigo.
Na época em que chegaram os primeiros receptores, existia abastecimento de energia nas cidades, onde operavam pequenas usinas termo-elétricas. No interior, entretanto, ela não existia. Quem desejava ter o seu receptor de rádio precisava valer-se de uma bateria de automóvel e, de vez enquando, tinha de recarregá-la numa oficina da cidade. Apesar do alto custo do aparelho e de incômodos como esse, muitos colonos compravam os seus rádios. A novidade, uma caixa que fala, causava grande impacto na época e possuí-la era símbolo de status.
Conta-se que, certa vez, um desses pioneiros foi à cidade para recarregar a bateria do seu rádio recém adquirido. Acontece que, naquela época, era divulgada muita propaganda do analgésico Melhoral. E o colono já estava saturado com tanta repetição.
Falando ao mecânico encarregado de recarregar sua bateria, ele disse:
- Escuta, seu Alfredo. Será que o senhor não podia, dessa vez, botar um pouco menos de Melhoral?

542 - RCC: a Rádio Comunitária Caiense

Tudo começou em janeiro de 1997, quando nas reuniões de ´preparação para a festa de São Sebastião o Padre Aloísio Steffens comentou a dificuldade que havia para coordenar as orações durante a procissão. Como a procissão reunia muita gente e se estendia por várias quadras, os fiéis não conseguiam ouvir a voz do padre, que comandava as orações.
O Padre Aloísio comentou, então, que em Osório, onde ele havia atuado anteriormente, este problema era resolvido com o uso do rádio. A emissora local transmitia a procissão e a voz do padre era transmitida, sendo captada pelos fiéis através de rádios portáteis que eles levavam no bolso durante a procissão.
TRABALHO ÁRDUO
Deste debate surgiu a idéia de se criar no Caí uma emissora de rádio comunitária. Com a liderança do vigário e o empenho dos membros da comunidade, foi iniciado o movimento pela criação da Comunidade São Sebastião de Amparo Social. A entidade que teve por seu primeiro objetivo a criação da rádio.
Por exigência da lei que regulamenta as emissoras de rádio comunitárias, a entidade teve de se desvincular da igreja. As rádios comunitárias não pode se vincular a um determinado partido político ou crença religiosa. Têm de ser abertas a todos os credos e segmentos da comunidade.
Mas foram sempre membros destacados da comunidade católica, como Bromaldo Padilha, Pedro Griebler e Pio Rambo que, com o apoio do Padre Aloísio, tocaram o projeto adiante. Mesmo assim, a rádio está aberta hoje a todas as igrejas, sendo que várias participam da programação da emissora com programas nos quais transmitem a sua mensagem livremente.
CONQUISTANDO CORAÇÕES
Desde que foi inaugurada, em 15 de novembro de 2003, a Rádio Comunitária Caiense vem conquistando, cada vez mais, a atenção e o carinho da população caiense. Das seis da manhã à meia-noite, todos os dias, os comunicadores voluntários da emissora a mantêm no ar oferecendo ao público uma programação variada, com música para todos os gostos.
Além disto, existem os programas jornalísticos que têm conseguido os maiores piques de audiência ao cobrirem eventos importantes como a eleição municipal (quando a emissora foi a primeira a anunciar o resultado do pleito) ou o sorteio de prêmios da campanha Compre no Caí, promovido pela CDL e lojas da cidade.

541 - COISAS DA COLÔNIA - O coice

Para os riograndenses do século XIX, andar a cavalo era uma necessidade. Todos sabiam montar e sentiam grande orgulho quando possuíam um belo animal. Euclides da Cunha, em Os Sertões, comenta este aspecto da nossa cultura antiga:
"O cavalo, sócio inseparável dessa existência algo romanesca, é quase objeto de luxo. Demonstra-o o arreamento complicado e espetaculoso. O gaúcho andrajoso sobre um pingo bem aperado, está decente, está corretíssimo. Pode atravessar sem vexames os vilarejos em festa."
A importância que davam os gaúchos antigos à apresentação de seus cavalos (que faz lembrar o interesse que temos atualmente por nossos automóveis) constituiu-se numa grande vantagem para os colonos alemães imigrados para São Leopoldo. Em meados do século XIX desenvolveu-se ali, grandemente, a indústria de lombilhos (selas para cavalos). Colonos que trouxeram da terra mãe o conhecimento de técnicas sofisticadas, sabiam produzir arreamentos de grande qualidade e sofisticação, lavrando-os artisticamente.
Na Alemanha a posse de um cavalo era privilégio de poucos. E os pobres colonos imigrados, na maioria, nunca haviam montado um desses animais. A sua inabilidade como cavaleiros parecia ridícula aos gaúchos, para os quais nada parecia mais engraçado do que ver um alemão desajeitadamente montado num cavalo. Afirma Leopoldo Petry, no seu livro Novo Hamburgo, que havia nos campos da Estância Velha, antes da revolução de 1835, muitos cavalos pertencentes ao governo. E os colonos tinham permissão para servir-se deles. Como, porém, faltava prática em lidar com esses animais, quase todos chucros, só depois de alguns anos os imigrantes souberam aproveitá-los.
Naquela época, por outro lado, as distâncias eram muito grandes e os meios de transporte precaríssimos. Por isso não era nada raro os colonos terem de viajar a pé, por grandes distâncias.
Nicolau Freiberger, um dos primeiros colonizadores do Vale Real, costumava caminhar até São Leopoldo, levando nas costas meio saco de feijão, para trocá-lo por um saquinho de sal.
Conta-se que, certa vez, um colono alemão, tendo de fazer uma viagem como esta, pediu emprestado o cavalo do seu vizinho. O colono não sabia montar direito. Mas, como o dono lhe garantia que o animal era muito manso, resolveu arriscar.
- Você só tem de cuidar de uma coisa - advertiu o vizinho. - Ele é muito coiceiro.
Em meio à viagem, passou o colono por um bodega na qual o dono do cavalo tinha o hábito de chegar para tomar um trago e bater um papo. O cavalo, acostumado, empacou defronte ao armazém, recusando-se a seguir caminho, por mais que o colono lhe fincasse as esporas.
O dono do armzém, assistindo à cena e compreendendo o que acontecia, apanhou uma pedra e jogou-a com a intenção de atingir as ancas do cavalo e, assustando-o, fazê-lo seguir. A pedra, entretanto, foi bater nas costas do colono.
Este, depois de um gemido e de algumas imprecações, falou para o cavalo:
- Ah, desgraçado. Bem que o teu dono me avisou que tu era coiceiro.

540 - Edgar Dietrich

Edgar Dietrich destacou-se como presidente do Clube Aliança e foi candidato a prefeito

Edgar Dietrich foi um importante líder caiense. Foi presidente do Clube Aliança e do PMDB, além de candidato a prefeito. Mas era também pessoa muito popular, que muitas pessoas tratavam pelo apelido de Tidirica. Uma “tradução” do seu complicado sobrenome, que parece impronunciável para quem não sabe falar alemão. Seu nome completo era Afonso Edgar Dietrich.
Seu Edgar nasceu na localidade de Matiel, no Pareci Novo, em 31 de outubro de 1930. Quando jovem, trabalhou na revenda Ford, de João Pereira. Em 1953, ele foi fundador do Sindicato dos Metalúrgicos de São Sebastião do Caí, que dirigiu até 1970. Neste ano abriu a loja Jagar, revendedora de autopeças,
Por novo anos exerceu a presidência do Clube Aliança. Gostava de futebol e foi dirigente do Grêmio Esportivo Riachuelo, desde 1953. Foi presidente de honra do mesmo clube. Foi, também, dirigente do Clube dos Dirigentes Lojistas (CDL).
Foi, também, líder político do PMDB, partido pelo qual concorreu a prefeito em 1982.
Casado com Amália Iris Mentz Dietrich, foi pai de Leslie, Lilian, Pedro Alberto e Martin Ernesto.
Em 1984, quando tinha 53 anos, seu Edgar sofreu um derrame que o deixou parcialmente inválido. Depois disto, com muito esforço e vontade de viver, ele caminhava pela cidade usando bengala. Manteve por muitos anos o gosto pelas conversas com os amigos. Sobreviveu ao acidente vascular cerebral por 25 anos.

539 - COISAS DA COLÔNIA - Medicina precária

Já em 1825, quando ainda se iniciava a colonização alemã no Rio Grande do Sul, chegou a São Leopoldo o primeiro médico. Era o doutor João Daniel Hillebrand, um jovem alemão formado em 1823, pela universidade Göttingen. Viveu até o ano de 1880 sendo, por muito tempo, o único ou um dos poucos médicos da colônia alemã no estado.
Nestas condições, é claro, não poderia dedicar-se a uma clínica especializada. Obrigou-se, pelo contrário, a desenvolver uma extrema versatilidade. Além de cuidar de toda espécie de doença física, foi também psiquiatra e, fora da medicina, diretor da colônia e chefe militar. Isto sem contar as atividades que desenvolvia como hobbys, como os estudos de botânica e zoologia.
Como psiquiatra, foi chamado a atender a jovem Jacobina Mentz que, segundo afirmou o seu cunhado João Jorge Klein, "jazia muitas vezes sem sentidos, abaixo de convulsões, pronunciando palavras sem nexo". O doutor Hillebrand aconselhou aos pais de Jacobina que procurassem - o quanto antes - um casamento para a mocinha. O que, no entanto, parece não ter sido uma boa prescrição. Depois de casada, a jovem continuou a cometer desatinos e, como líder espiritual dos mucker, levou seus amigos e vizinhos a uma desgraça de grandes proporções: a Guerra dos Mucker.
A precariedade da atividade médica na colônia àquela época, levava a população a valer-se dos serviços de pessoas menos habilitadas, como João Jorge Maurer. Este, que era marido de Jacobina, era curandeiro e receitava ao povo chás feitos de ervas colhidas na própria região. Para os colonos pobres (o que não era o caso da família de Jacobina), esse tipo de medicação era o único acessível.
Também os farmacêuticos atendiam à população em lugar dos médicos caros e, muitas vezes, distantes. As farmácias das vilas interioranas, ainda no princípio do século XX, funcionavam na parte frontal da mesma casa em que residia o farmacêutico.
Conta-se que, certa vez, um homem foi acometido de forte infecção na garganta, a qual o deixou quase completamente afônico. À noite, quando o mal se agravou, o homem resolveu ir até a farmácia para solicitar ao farmacêutico, seu vizinho e amigo, que lhe receitasse alguma coisa.
A farmácia estava fechada àquelas horas e o homem, então, chegou pelos fundos e bateu palmas para chamar os moradores. Lobo abriu-se uma janela e apareceu a mulher do farmacêutico. Com muito esforço,o homem conseguiu balbuciar:
- O Felipe está em casa?
Felipe, é claro, era o nome do farmacêutico. Mas a mulher não conseguiu ouvir direito a pergunta do vizinho.
- O quê? - perguntou ela.
- O Felipe está em casa? repetiu o homem, fazendo um enorme esforço para que sua voz fosse um pouco mais audível. Mesmo assim, o que a mulher ouvia não passava de um sussurro. Mas ela conseguiu entender, finalmente, e respondeu:
- Não está, não. Pode entrar.




domingo, 25 de outubro de 2009

538 - Nestor de Paula, o criador da Azaléia

Nenhum caiense fez tanto pelo progresso econômico e social do Caí como Nestor Herculano de Paula. Algumas pessoas podem contestar esta afirmação lembrando outros nomes memoráveis da história caiense como os do médico e prefeito Bruno Cassel. Mas, quem quiser sustentar a afirmação de que Nestor de Paula fez mais do que qualquer caiense para o progresso do município terá fortes argumentos. E, no entanto, muita gente do Caí não conhece este grande benfeitor.
Ele foi um dos fundadores da empresa Calçados Azaléia e o seu grande comandante até o ponto de transformar esta empresa na maior fábrica de calçados femininos da América e uma das maiores do mundo. Foi ele, também, que tomou a decisão de instalar no Caí, no ano de 1986, duas fábricas da empresa: a Azaléia São Sebastião e a Azaléia Conceição. Ao fazer isto, Nestor de Paula deu um enorme impulso à economia do município. A arrecadação de impostos da prefeitura aumentou enormemente nos anos seguintes, graças ao incremento dado pela arrecadação proporcionado pela empresa. Graças a isto, a prefeitura do Caí conseguiu realizar grandes obras na década de 90, como o asfaltamento de ruas, ajardinamento, implantação de escolas e creches e até estimular a vinda da UCS para o município. Com o aumento de recursos gerado pelas fábricas da Azaléia, a prefeitura conseguiu melhorar enormemente o atendimento à saúde da população. O comércio e os serviços do Caí também foi muito beneficiado com a oportunidade de vender para os funcionários da empresa.
Além disto, as fábricas caienses da Azaléia proporcionaram mais de 1.000 empregos e trouxeram para a cidade uma nova cultura no que diz respeito ao modo de tratar os funcionários. Proporcionando vantagens aos seus funcionários que eram desconhecidas antes no meio industrial caiense, a Azaléia serviu de modelo para uma nova forma de relação entre empresa e empregado que foi assimilada pelo empresariado local. A transformação por que o Caí passou depois de 1986 tem muito a ver com a obra deste empresário admirável.
E bota admirável nisto. Nascido em 1937, na cidade de Novo Hamburgo, Nestor de Paula teve origem humilde. Quando jovem, ele trabalhou como cobrador de ônibus e - o que foi muito útil mais tarde - em lojas de calçados. Seu irmão Arnaldo Luiz trabalhava como modelista e vendedor de uma pequena fábrica de calçados de Parobé. Ele decidiu abrir uma fábrica de calçados e, lembrando da experiência que Nestor já tinha no ramo, o convidou para tornar-se sócio da empresa. Para começar suas atividades, a indústria utilizaria um espaço no prédio de uma pequena ferraria pertencente a Theno Berlitz, que também se tornou sócio. Dois cunhados de Theno, Nelson e Arnildo Lauck ingressaram também na sociedade.

537 - Construtor de um império

E assim começou a fábrica, ocupando apenas um espaço da modesta ferraria e tendo as esposas dos sócios como primeiras operarias. No primeiro dia foram produzidos dez pares de sapatos femininos e, depois de três semanas de trabalho, a produção já havia aumentado para 25 pares dia. Como fabricar sapato, naquela época, era coisa de alemão, foi dado à empresa o nome Berlitz, Lauck & Cia Ltda, deixando de lado o nome de Paula. As atividades da fábrica começaram em 1959. A então noiva de Nestor, chamada Diva, foi uma das primeiras funcionárias. Ela antes havia trabalhado nas fábricas de calçados Bibi( aos 14 anos, como operária) e depois no escritório da Lindar. Na empresa do noivo, ela cuidava do escritório e ainda trabalhava na produção, como costureira. Seu turno de trabalho começava às seis da manhã e terminava às seis da tarde e ainda levava serviço para casa. Quando nasceram os três filhos do casal, Daise, Daniel e Camila, ela passou a trabalhar com calçados em casa, para poder cuidar também das crianças e das tarefas domésticas. Ela fez isto por 15 anos, até 1973. A função de Nestor nos primeiros tempos da fábrica era fazer o serviço burocrático, especialmente junto aos bancos. Mas ele também trabalhava na produção, passando cola.
Com este início modesto, mas com dedicação, esforço e união do grupo, a empresa cresceu e chegou a ser o que é hoje: uma empresa de destaque mundial. Com o tempo, Nestor de Paula revelou-se o grande líder da Azaléia e os seus méritos foram reconhecidos de diversas maneiras. Em 1981, foi eleito Destaque Industrial pela Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo. Em 1984, a FIERGS lhe conferiu o título de Mérito Industrial do RS. Em 1987, foi apontado Industrial do Ano pela Francal, em São Paulo. Em 1998 foi agraciado como Comendador da Ordem do Mérito da Bahia e, no mesmo ano, ganhou o prêmio Líder Estadual conferido pela Gazeta Mercantil.
Infelizmente este homem que tanto teria a dar ainda para o desenvolvimento do país foi precocemente acometido por grave doença (seria câncer, segundo comentam funcionários da empresa). Ele chegou a fazer tratamento até nos Estados Unidos, mas não foi possível vencer a doença. Há três anos teve de começar a afastar-se do trabalho mais pesado e, ultimamente, ficava apenas na sua casa, em Novo Hamburgo. Reuniões de diretoria chegaram a ser realizadas na sua residência. Há pouco mais de um ano, foi contratado o ex-governador Antônio Britto para substituí-lo no comando geral da empresa.
Nestor morreu na madrugada do dia 23 de janeiro de 2004, no Hospital Regina, em Novo Hamburgo e foi velado no pavilhão da FENAC, onde recebeu homenagens de milhares de admiradores, inclusive de uma parte dos mais de dez mil funcionários da empresa. Ele tinha 66 anos.
No Caí e região, milhares de funcionários e ex-funcionários da Azaléia devem a ele a oportunidade de trabalhar e aprender com esta empresa exemplar.
Ele foi sucedido, no comando da empresa, pelo ex-governador Antônio Britto.

536 - O pai de Nestor de Paula foi caiense

Nestor de Paula era um homem muito símples, mas foi capaz de criar uma das maiores fábricas de calçados do mundo: a Azaléia.
Seu pai se chamava João Nepomocena de Paula, nasceu no Campestre da Conceição em 16 de maio de 1894 e foi batizado na igreja de Nossa Senhora da Conceição, no atual bairro caiense da Conceição.
GENEALOGIA
Ele era filho de Francisco Luis de Paula e Castorina de Oliveira Flores. Os avós paternos do pai do empresário Nestor de Paula chamavam-se Joaquim Luis de Paula e Francisca Custódia Salasar. Os avós maternos eram Gabriel José Flores e Maria Rita de Nascimento.
Os bisavós paternos de Nestor (pais de seu avô Francisco Luis de Paula) foram João Pereira Sarmento e Eufrásia Maria do Nascimento, provenientes de Santa Catarina.
Os biavós maternos de Nestor de Paula (pais de Francisca Custódia Salasar) chamavam-se Francisco Salasar e Florida Paula Cardin da :Silva.
PAI EXEMPLAR
Depois de crescido João Nepomucena tornou-se comerciante, dono de um armazém que se situava entre Estância Velha e Novo Hamburgo. E foi lá que nasceram seus filhos, inclusive Nestor.
Irmãos de João Nepomucena continuaram residindo no Caí, principalmente nas localidades de Campestre da Conceição e Campestre de Santa Terezinha, situadas nas duas margens do Arroio Cadeia. Por isto, o grande empresário tinha muitos parentes no Caí. Tanto que ele costumava dizer que ficou feliz ao implantar as duas fábricas da Azaléia no município, por elas ficarem perto dos seus parentes.
Nestor de Paula perdeu a mãe quando tinha apenas cinco anos de idade e seu pai faleceu quando ele estava com dez anos de vida.
Mas João Nepomucena de Paula deixou uma profunda lembrança no filho. Nestor costumava dizer que tudo que ele aprendeu de mais importante lhe foi ensinado pelo pai, que lhe ensinou a ser trabalhador, humilde e honesto. O espírito de solidariedade humana que causava tanta admiração em quem conheceu o empresário Nestor de Paula também lhe foi ensinado pelo pai. Com exemplos.
Estando certa vez no Caí, Nestor conversou com seu primo irmão Pedro de Paula (residente no bairro Rio Branco, pai da Secretária Municipal da Saúde de São Sebastião do Caí, Clarice Lermen de Paula) e contou-lhe que lembrava de quanto tinha seis anos e brincava com amiguinhos jogando bola de vidro na frente do armazém do pai, em Estância Velha. Certa vez ele viu pessoas muito pobres que pediam esmola e ficou sensibilizado com a situação destas pessoas. Viu, então, que uma delas entrou no armazém de seu pai e saiu depois com um grande pacote de donativos. Nestor ficou muito feliz pelo jesto de bondade praticado por seu pai e nunca esqueceu aquela cena.
O menino Nestor Herculano, apesar das dificuldades enfrentadas pela orfandade, cresceu e veio a tornar-se um dos maiores empresários brasileiros de todos os tempos. Ele deu enorme contribuição para o desenvolvimento de muitos municípios gaúchos e de outros estados brasileiros, especialmente no Nordeste.
E a filosofia que orientou a criação e o desenvolvimento da Azaléia, como depreende das palavras do próprio Nestor de Paula, veio dos ensinamentos deixados por seu pai, o caiense João Nepomucena.

535 - Bernardo Mateus

A atual cidade de São Sebastião do Caí já foi conhecida por outros nomes. Quando o município foi criado, em 1875, foi chamado de São Sebastião do Caí. Depois disto, porém, houve um longo período em que o nome do município passou a ser apenas Caí (ou Cahy, numa grafia mais antiga). A denominação oficial só voltou a ser São Sebastião do Caí no ano de 1958, conforme determinação da lei estadual n° 3.613, de 10 de dezembro daquele ano.
Antes de ser cidade, o Caí foi conhecido, por algum tempo, como Porto do Guimarães (ou dos Guimarães). Isto se deve ao fato de que Antônio José da Silva Guimarães, pelo ano de 1848, comprou terras onde hoje está situada a cidade e as revendeu em lotes, promovendo assim o seu povoamento. Guimarães também foi comerciante e até vereador do município de São Leopoldo, ao qual pertencia o Caí na época. Quando Guimarães comprou as terras no Caí o lugar era quase totalmente desabitado. Mas, a partir da colonização promovida por ele, passou a se desenvolver rapidamente a ponto de tornar-se, 50 anos depois, uma das mais importantes cidades gaúchas. Um progrresso impressionante que se deveu ao desenvolvimento da colonização alemã no Vale do Caí e da italiana na região da Serra.
Recuando um pouco mais no tempo, encontramos o local onde hoje se situa a cidade de São Sebastião do Caí com a denominação de Dona Teodora. Mas o nome pelo qual este lugar foi mais conhecido na primeira metade do século XIX é Porto do Mateus. E isto porque o primeiro proprietário e morador destas terras chamava-se Bernardo Mateus.
O pesquisador Ruben Neis desenvolveu amplas pesquisas sobre este homem que foi o primeiro caiense e as expôs em artigos publicados no Correio do Povo no ano de 1975, quando se comemorava o centenário da emancipação de São Sebastião do Caí. Resumidamente, a história de Bernardo Mateus é a seguinte:
Ele nasceu em Portugal, na vila do Touro, no dia 13 de agosto de 1761. Era filho de Francisco Mateus e Francisca Gonçalves, ambos moradores da mesma vila do Touro, situada no bispado da Guarda. Consta que ele tenha vindo de Portugal para o Brasil com 12 anos, por volta de 1773. Viveu na Aldeia dos Anjos (atual cidade de Gravataí) por vinte anos e depois transferiu-se para o local onde hoje está situada a cidade de São Sebastião do Caí, onde recebeu terras do governo. Isto aconteceu por volta do ano de 1793. Na época, esta parte do Vale do Caí era ainda coberta por exuberante mata nativa, povoada apenas pelos índios e pelos animais silvestres, inclusive a temida onça.
Nos primeiros anos ele deve ter morado sozinho nas suas terras. Como outros desbravadores das matas, deve ter vivido daquilo que extraía da floresta e deve, inclusive, ter praticado o comércio com os índios, trocando peles de animais e outras mercadorias fornecidas pelos selvagens por objetos da civilização que interessavam a eles, como espelhos e facas.

534 - Léo Klein e a eleição de 2000


Egon Schneck ingressou no PMDB para concorrer ao cargo de prefeito

Antigamente ocorreram eleições muito acirradas, como a de Egydio Michaelsen em 1935. Mas depois da década de 60 quase todas as eleições caienses foram marcadas pela desigualdade de forças. Por um longo período, o Doutor Bruno Cassel foi imbatível e se elegeu prefeito quatro vezes. Quando ele não concorria, Heitor Selbach (com a força dos votos de Bom Princípio, que pertencia ao Caí) ganhava sempre.
Neste período formaram-se duas correntes políticas que se alternavam no poder: uma delas liderada por Bruno Cassel (a antiga Arena favorável aos governos militares, depois PP) e outra o antigo MDB liderada por Heitor Selbach (contrária aos governos militares, hoje PMDB).
Quando Heitor Selbach morreu, a liderança maior do PMDB passou a ser Dary Laux. Por outro lado, como o Doutor Cassel já estava muito idoso, quem assumiu o controle do PP foram Egon Schneck e Gerson Veit. Ocorreu, então, um fenômeno político impressionante, pois Schneck e Gerson foram convidados por Dary Laux a ingressar no PMDB. Eles aceitaram e, com isto, formou-se um grupo político fortíssimo que detinha praticamente toda a força política do município. Com Dary Laux nunca desejou exercer o cargo de prefeito, Schneck e Gerson foram os candidatos deste grupo e governaram o Caí por 12 anos, elegendo-se com facilidade. Nestes doze anos, o PMDB montou um poderoso aparato político que parecia invenssível.
No ano 2000 aconteceu outro fato surpreendente. Nem Schneck nem Gerson estavam dispostos a concorrer. Então Léo Klein (que fora ligado a Cassel, Egon Schneck e Gerson Veit) lançou sua candidatura de oposição e - favorecido pelo fato do candidato apresentado pelo PMDB, Cândido Schneider, não ser um político popular - ganhou a eleição. Uma verdadeira zebra, se for considerada a estrutura política do PMDB e as forças que Léo dispunha para se contrapor a ela.
Depois disto, com Léo Klein na prefeitura, formou-se uma outra força política no município. E a eleição que ocorreu em 2004 foi uma disputa Léo x PMDB.
O PMDB ainda era muito forte no Caí, mas o prefeito tinha ao seu lado um grupo em condições de enfrentá-lo. Mostrando habilidade política, o prefeito conseguiu trazer para o seu lado partidos como o PT e o PSDB, além do único vereador eleito pelo PTB. Com isto, dos nove vereadores caienses, seis apoiaram o prefeito e apenas três ficaram com o candidato do PMDB, que foi Gerson Veit.

533 - A draga Esperança


Na primeira metade do século XX, o rio Caí era dragado, o que 
ajudava a garantir a sua navegabilidade até o porto 
de São Sebastião do Caí (foto original da época)

Com a contratação da draga Esperança, o prefeito Léo Klein trouxe a esperança de solução para o problema das enchentes






No ano de 2004, semanas antes da eleição que o conduziria a um segundo mand prefeito Léo Klein conseguiu a proeza de trazer uma grande embarcação, uma draga, até o antigo porto da cidade. Coisa que não acontecia há muitos anos. O fato, seguramente, ajudou na sua reeleição.O jornal Fato Novo, na ocasião, narrou o fato da seguinte forma:"Não foi fácil, mas a draga Esperança conseguiu chegar até o Caí. Trata-se de uma draga de sucção, o tipo mais utilizado para desassoreamento de rios e canais. Ela está instalada num barco, como geralmente acontece. Mas este barco, chamado Esperança, causou sensação quando chegou ao porto do Caí por volta de meio-dia da última quarta-feira. Acontece que o Esperança é um barco bem maior do que se esperava.

O porto do Caí, que era muito movimentado no início do século passado, deixou de ser usado em meados da década de 50. E os barcos que costumavam navegar pelo rio Caí nos anos 40 ou 50 não eram tão grandes como este.O jornal Fato Novo, na ocasião, narrou o fato da seguinte forma:
"Não foi fácil, mas a draga Esperança conseguiu chegar até o Caí. Trata-se de uma draga de sucção, o tipo mais utilizado para desassoreamento de rios e canais. Ela está instalada num barco, como geralmente acontece. Mas este barco, chamado Esperança, causou sensação quando chegou ao porto do Caí por volta de meio-dia da última quarta-feira. Acontece que o Esperança é um barco bem maior do que se esperava.
O porto do Caí, que era muito movimentado no início do século passado, deixou de ser usado em meados da década de 50. E os barcos que costumavam navegar pelo rio Caí nos anos 40 ou 50 não eram tão grandes como este.
A maioria das pessoas que vivem no Caí hoje em dia nunca tinham visto um barco atracado no cais do porto. Por isto foi natural a curiosidade. Mas quem mais gostou de ver a draga no porto do Caí foram os partidários do prefeito Léo Klein. Para eles, a draga significa um importante reforço para a campanha eleitoral. A draga será - para eles - a solução para o problema das enchentes na cidade.
A vinda da draga já estava anunciada há um bom tempo, mas ela demorou a chegar porque o rio - ultimamente - estava muito baixo. O que foi azar dos partidários do prefeito Léo Klein, pois nesta época de inverno costuma chover bastante. A sorte sorriu para o prefeito no início desta semana e a oportunidade não foi desperdiçada.
Quando o rio começou a encher, na manhã de terça-feira, os donos da draga foram avisados e não demoraram a partir. Por volta de quatro horas da tarde já estavam passando por Montenegro, onde a Esperança foi fotografada pelo repórter do Fato Novo (foto que foi transmitida por internet e publicada na edição que saiu na manhã de quarta-feira. Cauteloso, o Fato Novo anunciou que a draga deveria chegar naquele dia. E quase aconteceu dela não chegar, pois no trajeto entre Montenegro e Pareci Novo aconteceu um acidente. O barco raspou no fundo rochoso do rio e a hélice ficou avariada. E a draga não pode seguir viagem. Havia o temor de que o rio voltasse a baixar logo, pois as chuvas não haviam sido muito fortes. Por isto, era necessário fazer o conserto depressa.
Com a ajuda dos bombeiros voluntários, que acompanharam a Esperança na sua viagem até o Caí, foi possível consertar a hélice e, assim, a viagem foi retomada na manhã de quarta-feira. E o rio continuou subindo de nível até o dia seguinte, o que fez com que a viagem pudesse ser feita sem problemas.
Para os moradores dos bairros caienses mais afetados pelas enchentes, a draga representa uma grande esperança de melhoria em suas vidas. As grandes enchentes causam grandes transtornos e prejuízos para os moradores afetados. Se a draga fizer o trabalho esperado, deverá acontecer - inclusive - uma valorização dos imóveis que hoje são atingidos pelas enchentes.
A dragagem do rio é um trabalho lento, que deverá ser realizado ao longo de meses e até anos. Uma enorme quantidade de areia será retirada do fundo do rio. Seria de temer-se que o custo deste trabalho prolongado poderia ser muito elevado. Mas acontece que a areia retirada do fundo do rio é um material valioso. Com isto, o custo do serviço prestado pela draga deverá ser compensado pelo valor da areia obtida na operação.
Para entrar em funcionamento, a draga precisa de algumas instalações, que estão sendo ainda providenciadas. Ela precisa ser abastecida de água e de luz e uma tubulação metálica precisa ser instalada para fazer a retirada da areia do barco para a margem do rio."

532 - Qix: uma multinacional caiense

Três meses após começar suas atividades no Caí, em 2004, a fábrica de tênis esportivos Qix já era a terceira maior da cidade quanto ao número de funcionários. Tendo iniciado suas atividades no prédio da antiga Fábrica de Luvas, a empresa logo passou a utilizar também o grande pavilhão que serviu por alguns anos como sede da associação dos funcionários da Azaléia e ainda construiu um outro prédio no qual instalou a administração da empresa. As obras e os melhoramentos são constantes na área que inicialmente foi alugada e depois adquirida para receber definitivamente as instalações da empresa. Ela contou, para isto, com apoio econômico da prefeitura municipal.
A Qix, que começou suas atividades em Novo Hamburgo, já havia adquirido uma área de terras em Estância Velha visando transfeirir para lá a sua fábrica. Mas depois de haver feito um teste de produção da sua linha de produtos Mary Jane no Caí no ano anterior, decidiu vender o terreno em Estância e se transferir totalmente para o Caí. Um grande vantagem do Caí é a existência de mão de obra de qualidade formada nas fábricas Azaléia. Quando a Qix veio se instalar na cidade, as fábricas locais da Azaléia já estavam decadentes e liberavam funcionários.
A Qix começou suas atividades em 1991, em Novo Hamburgo. Seus produtos têm valor elevados. Têm design avançado e alta qualidade. Produtos de grife. Isto faz com que os produtos paguem muito imposto e gerem muito retorno para a prefeitura. Assim, a Qix passou afigurar, imediatamente, entre as cinco maiores empresas caienses, tanto pelo número de funcionários como pelo valor da produção. Chegou a figurar como a segunda maior empresa do município, mas perdeu esta posição para a Agrosul em 2009.
A fábrica da Qix no Caí é dirigida pessoalmente pelo seu sócio fundador Paulo Froelich, que já está residindo no Caí. O outro sócio da empresa, Ramon Müller trabalha em Santa Catarina, onde cuida da produção de roupas e também do marketing.
A Qix trabalha a sua marca associando-a ao skate e patrocina alguns atletas brasileiros que já se destacam entre os melhores do mundo. A empresa tem uma loja em Buenos Aires, que cuida também da revenda dos seus produtos na Argentina. Neste país os produtos Qix já chegam atualmente com a etiqueta Made in Brasil, São Sebastião do Caí. Atualmente A empresa tem vendas também na França, Portugal e Alemanha.
Em todos estes países os produtos Qix são vendidos com marca própria. Por este motivo, os skatistas patrocinados pela Qix participam de eventos internacionais, tornando a marca conhecida no mundo todo. Já bastante conhecida no meio jovem brasileiro, a marca tende a se tornar uma grife de proporções globais.

531 - Agrosul

A história da Agrosul, segunda maior empresa caiense da atualidade, começou a ser escrita no ano de 1955, quando Waldomiro Freiberger começou a sua vida de comerciante. Sem medo do trabalho exaustivo e sempre disposto a enfrentar as dificuldades, ele abriu uma pequena casa comercial na localidade de Alto Feliz. Na época, uma pequena vila situada no interior do município de Feliz.
Era uma empresa muito pequena. Mas o segredo que levaria Waldomiro Freiberger a ter sucesso nos seus negócios já se manifestava desde então. Já no seu pequeno armazém colonial, ele colocava a satisfação do cliente como principal objetivo dos seus esforços.
Quando o cliente não vinha até o seu estabelecimento, era Waldomiro que montava num burro de carga para ir até a casa do cliente vender seus produtos. Desde então, mesmo com os recursos limitados de que dispunha naquela época, o fundador da empresa já aplicava os princípios básicos que até hoje norteiam a conduta da empresa.
A qualidade dos produtos e serviços prestados, aliada à seriedade e agilidade no atendimento, fazem com que a Agrosul se destaque no mercado e conquiste a preferência dos clientes. Tal como acontecia já nos tempos do pequeno armazém de Alto Feliz.
PROGRESSO
O espírito empreendedor, a vontade permanente de crescer, foi outro importante fator de sucesso para a empresa.
Dois anos após o início da empresa, Waldomiro já fazia um investimento que era grande e ousado, considerando-se as suas condições de então. Ele adquiriu um caminhão usado, modelo F6 ano 1951, que lhe permitiu ampliar a área de atuação da empresa e a expansão dos negócios. Waldomiro passou a vender produtos da região em Porto Alegre. Vendia sacarias, milho e soja, entre outros produtos. Teve sucesso nesta atividade e, em pouco tempo, conseguiu aumentar o seu negócio com a compra de mais dois caminhões.
Em 1971 Waldomiro Freiberger fez sociedade com seu irmão Paulo, com o que foi fundada a empresa Waldomiro Freiberger & Cia Ltda. Uma parceria de sucesso que favoreceu muito o desenvolvimento da empresa. Já em 1973 os dois irmãos transferiram a sede para um novo prédio situado no centro da cidade de Feliz. Uma decisão que foi apressada por um fato lamentável: um incêndio que destruiu totalmente o antigo prédio, em Alto Feliz.
Mais uma lição deixada pelos irmãos Freiberger: Para eles, as dificuldades do caminho nunca foram obstáculo para a continuação do seu trabalho. Pelo contrário. O enfrentamento dos problemas que foram surgindo sempre os fortaleceu e a superação dos mesmos lhes mostrou o caminho de novas oportunidades para o crescimento.
AGROSUL ALIMENTOS
No dia 31 de outubro de 1996, quando a empresa passou a denominar-se Agrosul Alimentos, iniciou uma nova fase da sua expansão. De então para cá, ela alcançou um grande desenvolvimento, conquistando mercados no Brasil e no exterior.
Foi implantado um abatedouro de frangos, na localidade de Vila Cristina (no município de Caxias do Sul, perto de Vale Real), que em 2004 já contava com cerca de 300 funcionários. A empresa, então, contava com uma unidade na Feliz, o abatedouro de Vila Cristina e com um Centro de Distribuição na cidade de Canoas.
Com esta estrutura, a capacidade de produção da empresa já aumentou muito. Inicialmente, o de abate do frigorífico (em Vila Cristina) era de 3.500 aves por dia. Nos anos 90, chegou a 10.000 aves/dia e, no ano 2000, a 20 .000. Em 1996, com a implantação do Serviço de Inspeção Federal, a empresa passou a comercializar seus produtos em outros estados brasileiros e, a partir de 2003, começaram as vendas da empresa para o exterior.
O NOVO COMPLEXO INDUSTRIAL
Em 2001 foi adquirida um área de 48 hectares em São Sebastião do Caí, com apoio da prefeitura local, e lá está sendo implantado o novo complexo da empresa. Como etapa inicial do projeto, foi construído um novo Centro de Distribuição. Uma enorme prédio de 2.400 metros quadrados que funciona como uma câmara fria. O prédio é, também, muito alto e dentro dele é possível armazenar 3 milhões de quilos de carne de frango. Esta unidade foi inaugurada no ano de 2004. Além do CD, o escritório comercial da empresa também passou a funcionar no Caí a partir de então.
Esta foi apenas a primeira etapa da implantação do projeto que prevê um total de 10 mil metros quadrados de área construída. Um novo abatedouro foi construído como uma continuação do prédio do CD. Com isto, a produção, armazenamento e expedição passou a ser realizada no Caí, num prédio com 5.440 metros quadrados, a partir de 2009. E o terreno já está preparado para a duplicação destas instalações.
Ao lado do prédio principal já existe um outro, menor, com 400 metros quadrados, no qual estão instaladas as máquinas que geram o frio para o CD. Uma tubulação aérea leva o frio produzido neste prédio até o outro, no qual os produtos ficam armazenados. Estas instalações já foram dimensionadas para atender às necessidades da duplicação.
Para 2010 está prevista a construção de um outro complexo para a fábrica de rações, que também será instalada dentro da grande área pertencente à empresa, no bairro Angico.

530 - Vultos políticos da região

Rosa Flores (de óculos escuros) em solenidade inaugural

Roberto Cardona foi prefeito de Montenegro e deputado estadual

Ao longo da história, são poucos os políticos da região que conseguiram se projetar para fora dos limites do seu município. Menor ainda, no entanto, é a memória histórica do nosso povo, pois mesmo os poucos nomes locais que se destacaram na política estadual ou nacional são desconhecidos da maioria da população.
Vejamos alguns destes nomes que conseguimos levantar. Uma relação que, no entanto, pode ainda estar incompleta. Aceitamos a colaboração dos leitores que queiram nos indicar nomes que tenhamos esquecido no nosso levantamento.
Caí e Montenegro foram cidades importantes já no fim do século XIX e início do século XX. Não temos informação, entretanto, de que algum político oriundo destes municípios tenha chegado a exercer cargos de relevo nos governos estadual ou federal, naquela época. O que é até surpreendente. É possível que pesquisas posteriores venham a revelar alguns nomes.
São os seguintes os casos de políticos da região que, até o momento, conseguimos identificar como ocupantes de cargos destacados no passado:
Athos de Moraes Fortes - Nascido em Santa Maria, ele exerceu a advocacia no Caí entre os anos de 1920 a 1976. Foi intendente municipal entre os anos de 1932 a 1936. Foi no seu governo que ocorreu o trágico conflito entre integralistas e a guarda municipal por ocasião de uma manifestação dos primeiros no centro do Caí. Em 1946 concorreu a deputação estadual, pelo PSD. Elegeu-se suplente e veio posteriormente a assumir uma cadeira na Assembléia Legislativa. Exerceu a advocacia até depois dos 80 anos, ainda no Caí. Viveu seus últimos oito anos em Porto Alegre, com sua esposa Iolanda Garcia Fortes. Aos 89 anos ele ainda costumava caminhar pelas ruas de Porto Alegre e morreu atropelado em outubro de 1984.
Napoleão de Alencastro Guimarães - nascido no Caí em 29 de março de 1899, era filho de Pedro de Alencastro Guimarães e neto do fundador da cidade, Tenente Coronel Antônio José da Silva Guimarães Júnior. Foi deputado e senador (pelo Rio de Janeiro), era muito ligado a Getúlio Vargas e, quando ocorreu o suicídio do presidente em 1954, foi ele que leu a carta testamento no Senado Federal, sendo personagem central - portanto - de um dos mais dramáticos episódios da história política brasileira. Foi ministro do trabalho no curto período de governo do sucessor de Getúlio, Café Filho.
Antônio José Campani - Nascido em Porto Alegre em 1892, exerceu a atividade empresarial no Pareci Novo e destacou-se como líder regional ao presidir a entidade mantenedora do Hospital Sagrada Família e promover uma grande ampliação e melhoria das suas instalações. Elegeu-se deputado estadual em 10 de janeiro de 1947, sendo o quinto deputado mais votado do PSD, partido mais importante da época.
Egydio Michaelsen - Filho do proprietário de empresa de navegação fluvial no rio Caí Jacob Michaelsen. Nasceu em 1908 e elegeu-se prefeito em 1935, com 27 anos. Exerceu o cargo de prefeito de 1936 até 1944. Em 1946 elegeu-se deputado pelo PTB e foi o líder da bancada na Assembléia Legislativa. Em 1950 elegeu-se deputado federal e em 1952 assumiu a Secretaria Estadual da Justiça. Em 1962 foi candidato a governador do estado, perdendo para Ildo Menegetti por pequena diferença de votos (menos de 1%). Em 1963 foi nomeado Ministro da Indústria e Comércio, pelo presidente João Goulart e permaneceu no cargo até a deposição de Goulart, no ano seguinte.
Hélio Alves de Oliveira - Montenegrino, nascido em 1916, é economista formado e autor de 36 livros. Foi vereador entre os anos de 1947 e 1950 e deputado estadual entre os anos de 1951 e 1954. Foi duas vezes prefeito de Montenegro: de 1956 a 1959 e de 1964 a 1967. Com 87 anos, continua atuante como escritor, em Montenegro.
Roberto Ataíde Cardona - Foi vereador de Montenegro nos anos de 1969 a 73. Elegeu-se prefeito no pleito seguinte, governando o município nos anos de 1973 a 1977. Foi deputado estadual no período de 1979 a 1982, reelegeu-se no período seguinte e exerceu a liderança do governo na Assembléia Legislativa do Estado.
Antônio Jacob Renner - Nascido em Alto Feliz, A J Renner iniciou suas atividades empresariais no Caí e transferiu-se para Porto Alegre em 1915. Foi o maior empresário riograndense na primeira metade do século XX. Foi deputado estadual nos anos de 1935 a 1937.
José Arlindo Kunzler - Natural de Harmonia, criado em Bom Princípio, ele é filho do comerciante Jacob Kunzler. Ainda jovem ele se transferiu para o município de Três Passos, onde se projetou politicamente. Mas manteve suas relações com Bom Princípio e a região do Vale do Caí, onde sempre conseguiu expressiva votação. Exerceu a deputação estadual entre os anos de 1955 até 1967 (em três mandatos consecutivos) e a deputação federal de 1967 até 1978. Seus partidos foram o PSD, Arena e PDS. Reside atualmente em Brasília, onde é proprietário, juntamente com os filhos, da loja Casa do Rio Grande do Sul.
Pompillio Cylon Fernandes Rosa - Mais conhecido como Cylon Rosa, nasceu em Montenegro no ano de 1897. Formou-se em Direito e advogou em Montenegro a partir de 1923. Foi presidente do nono Conselho Municipal de Montenegro, que governou o município entre os anos de 1924 e 1928.
Elegeu-se deputado estadual na Assembléia Constituinte de 1935. Foi líder da bancada do PSD em 1937. Foi presidente da Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul e Secretário do Interior e Justiça do Estado (em 1945). Nos anos de 1946 e 1947 governou o estado na qualidade de Interventor Federal.
Foi ainda diretor do Banco do Brasil e da Companhia de Cimento Gaúcho e da Companhia de Papel e Papelão Pedras Brancas.
Vilson Kleinübing - Nascido no atual município de São José do Sul, na época ainda pertencente a Montenegro. Migrou, ainda moço para Santa Catarina, formou-se engenheiro e se projetou na política. Foi Senador e Governador daquele estado. Morreu prematuramente, quando estava no auge da sua carreira.
Jacinto Marinho Fernandes Rosa - era irmão de Cylon Rosa. Foi prefeito de Montenegro, nomeado, nos anos de 1944 a 1945 e em 1946. Elegeu-se deputado estadual em 1947 e reelegeu-se no período seguinte.
Antônio Carlos Rosa Flores - nascido em Montenegro, foi promotor público e radicou-se em São Leopoldo. Foi vice-prefeito de São Leopoldo (1963 a 1967), duas vezes deputado estadual (de 1967 a 1974) e depois elegeu-se deputado federal em 1974, 1977 e 1983 Ele viive atualmente na cidade de Imbé.
José Lindolpho Hummes - líder de Salvador do Sul, foi vice-prefeito de Montenegro eleito em 1947. Em 1951 elegeu-se vereador. Em 1958 elegeu-se suplente de deputado, chegando a exercer o mandato.

529 - O casamento de Bernardo

Bernardo Mateus, o primeiro caiense, casou no ano de 1816, na capela da Santana do Rio dos Sinos (atual cidade de Capela de Santana). Ele tinha, então, 53 anos de idade. Sua esposa chamava-se Joana Francisca de Jesus e era uma ex-escrava alforriada. Ela era parda (mulata), tinha cerca de 50 anos de idade e era viúva de Joaquim Fernandes, que foi tropeiro de gado desde os doze anos de idade, também mulato. Joana Francisca era natural do Rio de Janeiro e seu primeiro marido de Sorocaba, São Paulo.
O senhor da escrava Joana era José Martins Bastos, residente na vila de Porto Alegre.
Depois de 21 anos de casamento com Joaquim Fernandes, ela ficou viúva no ano de 1810. Quando casou com Bernardo Mateus, seis anos depois de enviuvar, Joana não era mais escrava. Ela havia comprado a sua própria liberdade.
Dois anos após o seu casamento com Bernardo, em 1818, Joana morreu. Ela não teve filhos no seu primeiro casamento, nem no segundo.
Bernardo Mateus permaneceu viúvo até a sua morte, ocorrida no dia 1° de setembro de 1836, quando ele já contava 75 anos.
Ele não se casou mais depois da viuvez, mas tinha na sua terra alguns escravos, inclusive uma negra chamada Joaquina, que era mãe de dois filhos: um mulato e outro preto. Com ela, Bernardo teve um filho, chamado Francisco. O menino foi batizado na capela de Santa Ana (Capela de Santana) em 19 de novembro de 1826. Bernardo Mateus o reconheceu como filho e o livrou da condição de escravo.
Em 23 de setembro de 1814 Bernardo Mateus recebeu, de Dom Diogo de Souza, Governador e Capitão Geral da Capitania de São Pedro, a concessão de uma sesmaria de um quarto de légua em quadro. Uma légua de sesmaria equivalia a 6,6 quilômetros e em quadro quer dizer o mesmo que quadrados. Portanto, as terras concedidas a Bernardo Mateus deviam ter 1.650 metros (1/4 de légua) de frente por 1.650 metros de frente a fundos. Ou seja, 272,5 hectares. Isto tudo no local onde hoje está situada a cidade de São Sebastião do Caí e nos seus arredores.
Antes da sua morte, em 1836, Bernardo Mateus vendeu metade da sua sesmaria a Dona Teodora Antônio de Oliveira.
Quando morreu a mulher de Bernardo, em 1818, ele fez um inventário dos bens do casal. E outro inventário foi feito em 1836, depois da morte do próprio Bernardo. Por eles se vê que, ao longo destes 18 anos, houve um sensível aumento nos bens do primeiro caiense.
Em 1818 ele possuía, além da área de terras, uma casa coberta de palha, uma engenhoca de moer cana instalada num rancho (usada para fabricar cachaça), oito pés de laranjeira, um escravo de nome José que havia fugido há cinco anos sem que se soubesse se estava vivo ou morto, outro escravo também de nome José e uma escrava de nome Joaquina, com dois filhos menores: Justino, nascido em 1815, e Cesário, nascido em 1818. Este último foi avô do caiense Carulo, nascido em 1910, que foi muito conhecido na cidade como comerciante de ferro velho.